“Do it yourself” ou “Faça você mesmo”?
Separou documentos, pesquisou a cultura local, selecionou entre lágrimas aquelas coisas mais importantes que caberiam nas duas malas de 23 kg? Ou encaixotou tudo para mandar vir depois?
Validou diploma, escolheu a zona de residência para ter uma boa escola para os filhos? Ou simplesmente veio, para ver no que ia dar? Como foi se preparar para mudar de país?
As histórias são sempre diferentes
Sem julgamentos, cada um sabe (ou acredita que sabe) onde o calo aperta mais e o que é possível ser feito.
Mas, uma coisa percebo que é comum a todos: a gente nunca está completamente preparado. E tudo bem!
Você pode ter visto um milhão de vídeos no YouTube, feito consultoria prévia, estudado todos os trâmites ou apenas assistido a alguns reels no instagram (quem nunca?!) Ainda assim, sempre haverá uma situação não prevista, desafiadora. Pelo simples fato de ser algo novo, diferente, fora do habitual.
Às vezes, é apenas uma questão cultural. Tão enraizada, que só conseguimos enxergar quando estamos fora da situação.
Uma das mais impactantes para mim foi o “do It yourself” ou “faça você mesmo”
Depois que mudei para Portugal, percebi que não tinha noção do privilégio que vivia no Brasil, onde tinha pessoas que faziam as coisas por mim.
Você já pensou sobre isso?
Sempre fui defensora do combate às desigualdades sociais, do acesso à educação, saúde, alimentação, enfim, dessas coisas básicas que, infelizmente, são tão precárias para uma grande parte da população no Brasil. Vim de uma família classe média, que se esforçava para pagar as contas no final do mês. Ainda assim, tinha meus privilégios, que hoje sei que não reconhecia como deveria.
Trabalhava fora, tinha um bom salário, podia me dar ao luxo de me cuidar, fazer as unhas toda semana e ter uma empregada doméstica diariamente em casa.
Imagina o choque quando mudei e passei a fazer tudo eu mesma, como a maior parte das pessoas faz aqui na Europa.
A primeira vez que fui abastecer meu carro sozinha, quase chorei. Eu não conseguia encaixar a bendita mangueira de combustível. Vazou tudo. Tive que contar até 50, engolir o orgulho e a vergonha e falar com a atendente do caixa para ela me ajudar. Aqui, você simplesmente pára o carro na frente da bomba, vai lá pagar para encher o tanque e aproveita para tomar um cafezinho. Sem pressa. Gente, como assim?
Então fui lá e a atendente me falou: ajudar no que? Mas, lá foi ela me ensinar, como se ensina a uma criança, o que tinha que fazer para abastecer. Era tão simples, até agora não sei porque não consegui.
No dia que fui limpar o carro
E o dia que fui limpar o carro sozinha? Coloquei a moeda na máquina, e comecei a aspirar. Detalhe por detalhe. Acabou o tempo, e taca por mais moeda. Fiz as contas e se continuasse nesse ritmo ia gastar uma fortuna. Então bora aspirar rápido!
O carro ficou limpíssimo. Eu saí pingando, e nem estava calor.
Lavar meu banheiro, meu carro, aspirar, limpar a casa, separar o lixo reciclado, levar o lixo para fora, lavar e passar minha roupa, assar o bolo de aniversário da escola dos meus filhos. Abastecer o carro sozinha!
Posso listar aqui mais um milhão de coisas que eu, como classe média privilegiada no Brasil, não estava acostumada a fazer. E não via nada demais nisso, pelo simples fato de que eu trabalhava duro, honestamente, e sentia que não havia problema em pagar por estes serviços tão cômodos, que realmente me ajudaram demais num dia a dia corrido, com dois bebês.
Pode ser que o que escrevo aqui gere polêmica. Do lado das pessoas que nunca tiveram esse tipo de privilégio, ou do outro lado, das pessoas que têm, necessitam dele e não acham que tem nada demais nisso. Este é apenas o meu ponto de vista sobre o assunto.
Ao meu ver, é sim, um privilégio
E está tão enraizado na nossa cultura, que até defensores da igualdade social, como eu, não conseguem enxergar.
Mas aqui em Portugal, como no restante da Europa, é possível pagar por alguns desses serviços. Só que não é barato. É um luxo e tem que ser. Pois é um trabalho como qualquer outro e é pesado.
Talvez a desigualdade aqui seja menor porque todos têm acesso ao básico. E se viram para fazer as coisas sozinhos.
Compreendo que não é fácil de entender sem vivenciar o outro lado e não sei bem qual a solução para que essa visão mude no Brasil. É uma questão estrutural, cultural e de acesso ao básico.
Mas, tem que ser levantada e discutida.
Mas para as que já moram fora, me digam, a sua percepção é a mesma? Quais foram as situações que mais te impactaram quando você mudou de país? Será que existe uma fórmula para se preparar para mudar de país?
Tenho 38 anos, sou mãe de duas crianças pequenas e filha de jornalistas. Paulista do interior de São Paulo, me formei em Direito e trabalhei por 15 anos no Mercado Financeiro, até que resolvi mudar de vida.
Atualmente, resido em Portugal com marido e filhos e faço pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem.
Foi após a mudança de país, há quase três anos, que redescobri meu amor pela escrita. Tenho uma página no Instagram , @sobremulheresemaes, onde compartilho alguns de meus textos.
Respostas de 10
Texto maravilhoso!! Obrigada!!
Que bom que gostou! Obrigada pela leitura ❤️
Texto muito bem elaborado, claro, gostoso de ler e profundo. Nos faz refletir sobre a consciência e o viver num mundo com tantas desigualdades sociais.
Muito obrigada! Que bom que pude levantar essa reflexão. Esse foi o intuito do texto ❤️
Adorei o texto. A narrativa de uma experiência verdadeira.
Muito obrigada, que bom que gostou!
Adorei o texto! Mostra o seu despertar para a consciência de classe, com muita reflexão. 🥰
Que bom que gostou! Foi realmente um despertar. Obrigada pela leitura ❤️
Reflexão importante. Texto muito bom!
Obrigada!