A notícia de uma promoção no trabalho é sempre recebida com alegria e festa, ainda mais quando essa promoção implica mudança de país. E, assim, começa a nossa história de como fomos morar em Miami e porquê me disseram que eu voltei “americanizada”.
No mesmo dia em que meu marido recebeu a proposta para ocupar uma posição no escritório de Miami, nos Estados Unidos, eu recebi o aceite da publicação do meu livro em São Paulo.
Viver no exterior sempre me fascinou pelas oportunidades de aprendizado que proporciona. Eu já havia morado por seis meses na Espanha num intercâmbio entre a PUC-SP e a Universidade de Granada, em 1999, mas a experiência que teria na Flórida traria novas perspectivas sobre o assunto.
Quando morava em São Paulo, sempre tive trabalho ligado à minha área de formação – História – e a proposta de mudar de país mostrou-se bastante desafiadora, principalmente, porque estava grávida de cinco meses e não falava inglês.
Meu marido e eu decidimos nos mudar logo no início de 2007 com a Beatriz, ainda na barriga.
Desvantagens de morar em Miami?
Na minha lista de obstáculos estavam os seguintes tópicos, não necessariamente nessa ordem:
- Ser mãe pela primeira vez;
- Perder a antipatia pelos Estados Unidos (especialmente por Miami);
- Aprender inglês (dificultado pelo item anterior);
- Viver sem a família estendida (pais, irmãos, tios, avós, primos) e o meu círculo de amizades, o que me forçaria a recomeçar uma parte da minha vida afetiva.
Vida nova, literalmente
A mudança para o exterior foi rápida e quase toda organizada pela empresa responsável pela contratação do Eduardo.
Na parte burocrática não tivemos que fazer muita coisa – o que é um privilégio para a maioria – apenas ir à entrevista no Consulado Americano em São Paulo, o que mereceria um texto somente sobre esse dia.
Vendemos tudo o que tínhamos exceto 50 caixas de livros e alguns móveis antigos que herdei de minha avó. Conosco no avião: Beatriz (o bolinho assando no forno), Maria Mole e Pirulito (felinos paulistanos); e a esperança de que tudo desse certo nessa nova jornada.
Brasileiros morando em Miami
Há doze anos vivemos fora do Brasil. Não somos expatriados no sentido estrito do termo. Temos dupla cidadania e nossa filha nasceu aqui em Miami.
O primeiro ano foi o mais difícil – e acredito que é assim para a maioria dos imigrantes. Adaptar-se a um novo estilo de vida e, mais do que isso, aos hábitos de uma comunidade já estabelecida. Isso requer esforço e flexibilidade.
O “porto seguro” nesse processo são as pessoas que encontramos pelo caminho. Muitas não ficam por aqui. Miami tem a fama de ser uma cidade provisória. Até a crise de 2009 as pessoas eram transferidas para cá, mas a permanência era incerta. Hoje, se apresenta como uma opção permanente para latino-americanos fugindo de crises político-econômicas. Esse movimento modificou muito o perfil da cidade para o bem e para o mal.
Desafio dado é desafio cumprido
De todos os desafios que visualizava no momento da mudança, o mais difícil foi, sem dúvida, adaptar-me profissionalmente.
Quando vivia no Brasil trabalhava como editora assistente numa revista de história, era editora de fotografia e tinha planos de continuar minha carreira acadêmica após a conclusão do mestrado.
Com a mudança de país, cuja a língua eu não dominava, fui forçada a manter trabalhos temporários com o mercado editorial brasileiro. Isso significava ganhar em real e gastar em dólar.
Na tentativa de me libertar desse ciclo com o Brasil, lancei-me como empresária no estilo mais americano do termo. Tive uma empresa de idiomas para ensinar português e uma fábrica de brigadeiro.
Os negócios funcionaram bem, mas nenhum deles me trouxe a realização profissional e financeira que eu buscava. Sou pesquisadora e escritora e queria seguir minha paixão, então, voltei aos estudos em 2016.
Voltar? Não, por enquanto
Entre fases boas e ruins, o tempo passou. Não nos vemos mais vivendo no Brasil. E quando vamos para lá visitar nossa família, é difícil entender a rotina e o mindset das pessoas.
Como diz o samba, de Luis Peixoto e Vicente Paiva, cantado por Carmen Miranda: “Me disseram que eu voltei americanizada”. O ponto é que eu ainda não voltei, e da maneira como o Brasil se transformou nos últimos três anos não voltarei tão cedo.
Os Estados Unidos nos recebeu porque somos brancos e de classe média. Não me orgulho disso e, na verdade, para muitos americanos: somos a razão da crise atual.
Luto e penso diariamente nos problemas e nas necessidades do Brasil e dos Estados Unidos. Voto nos dois lugares. Confesso que não é fácil se dividir entre dois países, duas realidades, sendo que a nossa terra de nascimento, a do coração, está tão longe.
Pode haver discordâncias, mas o expatriado, é esse paradoxo que está entre estar sem pátria e ter muitas nacionalidades simultaneamente.
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Pietra Diwan é escritora em fase de conclusão do doutorado sobre a história do transumanismo. É autora de Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo (contexto, 2007). Vive há 12 anos em Doral, Florida (Estados Unidos).