É interessante como fui descobrindo as muitas curiosidades da Bélgica ao longo do tempo em que passei a residir aqui. Normalmente há algumas peculiaridades de um país que você já descobre quando o visita como turista. Por outro lado, há aquelas que você só percebe quando passa a morar no local. E foi o que aconteceu comigo: visitei a Bélgica como turista em 2015 e me encantei, porém mal poderia imaginar que viria morar aqui no final de 2022.
A partir da minha mudança, fui descobrindo curiosidades sobre a Bélgica que só pude observar com o tempo. Desse modo, hoje vou trazer aqui minha visão de moradora do interior da Bélgica, após dois anos e meio, levando em conta as principais diferenças com o Brasil, assim como com outros países onde morei, como o Catar e os Emirados Árabes Unidos. Se você ainda não conhece minha história de expatriada, te convido a ler meu primeiro artigo aqui no blog.
Minha experiência pessoal
Antes de tudo, quero deixar claro que esse é um texto onde relato a minha experiência em particular, morando em Charleroi, que é uma cidade que fica a uns 60 quilômetros ao sul da capital Bruxelas. Conhecida como o Pays Noir (País Negro) devido à mineração e às usinas de carvão dos séculos passados. É a cidade onde ocorreu a tragédia do Bois du Cazier em 1956, onde morreram 262 mineiradores, em sua maioria italianos. É também conhecida como uma das cidades mais feias da Europa, devido ao êxodo dos imigrantes após a tragédia e ao fechamento de grandes usinas mineiradoras. O ficou então com um aspecto de cidade fantasma, com muitos prédios abandonados e fachadas pichadas.
E depois de tudo isso, você deve estar se perguntando: porque eu escolhi vir morar justamente aqui? Principalmente porque eu consegui meu emprego como engenheira em uma renomada empresa multinacional francesa do setor metroferroviário que tem uma sede com excelência em sinalização metroferroviária aqui mesmo, em Charleroi. Bem, mas eu poderia ter escolhido qualquer outra cidade das redondezas, você pode pensar.
Entretanto, depois de ter morado no Rio de Janeiro, em Doha e em Dubai, eu aprendi que qualidade de vida é morar a poucos minutos do trabalho, ter a escola e a creche das filhas a dois quarteirões de casa, poder levá-las de bicicleta e depois ir trabalhar em um trajeto de apenas 8 minutos. Sou casada e tenho duas filhas, e tendo um carro à disposição com o combustível pago pela empresa. Aos fins de semana e feriados posso ir de carro, de trem ou bicicleta para onde eu quiser!
Transportes e trânsito
Em São Paulo, onde eu nasci e morei por 33 anos, ia trabalhar de bicicleta da Zona Norte da capital até a Lapa, num trajeto de 10 quilômetros, era uma luta diária de sobrevivência entre a falta de educação dos motoristas e a falta de vias dedicadas aos ciclistas. Aqui na Bélgica, pelo contrário, o respeito e o cuidado com o trânsito desse meio de transporte são tão grandes, que a gente nem acredita que possa ser possível. Onde não há vias dedicadas, a bicicleta compartilha a faixa com os ônibus, que pacientemente aguardam em velocidade reduzida atrás de uma bike.
É muito comum o transporte por bicicleta e patinete , e os motoristas sempre respeitam a distância recomendada. Do mesmo modo, os veículos param antes das faixas de pedestres, para esses atravessarem. Parece até mentira!
Além disso, é você mesmo que abastece seu próprio carro, pois não há frentistas nos postos de combustíveis, o que é bem comum aqui na Europa.
Cotidiano -a Bélgica e suas curiosidades
Aqui, vou começar falando sobre higiene, ou melhor, sobre a falta dela, um costume que infelizmente faz parte das curiosidades da Bélgica. No geral, os belgas não têm o mesmo apuro dos brasileiros nesse aspecto. Por exemplo, não costumam escovar os dentes com a mesma frequência que nós o fazemos e, o banho também não é o seu hábito favorito. Eles possuem umas luvas feitas de tecido felpudo, tipo toalha, com as quais lavam o rosto e as partes críticas como as axilas e as partes íntimas, na pia do banheiro, sem enxaguar e pronto. Isso substitui o banho na maioria das vezes.
Eu, particularmente, não utilizo transporte público, mas tenho conhecimento do fedor que toma conta desses locais (mesmo pela manhã) quando as pessoas se deslocam para o trabalho. Mas em contrapartida, as mulheres nunca saem de casa com os cabelos molhados, e em geral, estão sempre muito maquiadas.
Há muitos moradores de rua, pedintes, e eles são incrivelmente simpáticos, e sempre têm cachorros que lhes fazem companhia.
Outras curiosidades da Bélgica
Parece inacreditável, mas recebemos cartas pelo correio, muitas cartas! Mesmo as contas de luz e gás, que são possíveis de serem obtidads através do acesso ao site da concessionária fornecedora, ou mesmo através de email. Além disso, também recebemos confirmação de consultas médicas por escrito, publicidade de lojas, supermercados e livrinhos repletos de preços e promoções. É tanta propaganda que você pode retirar na prefeitura um adesivo para colar na sua caixa de correio dizendo: Pas de pubi “não à publicidade”.
Quanto à vida social, os belgas antecipam os convites com, no mínimo, 3 meses. Você não pode decidir em um dia fazer um jantar e de repente convidar um belga. É uma falta de respeito à organização de suas agendas, que às vezes já têm programação marcada com um ano de antecedência. E, caso você seja convidada à residência de um belga, nunca se esqueça de levar flores ao anfitrião!
Moradia na Bélgica – mais curiosidades à vista
A maneira mais fácil de procurar a futura residência é através de sites da internet que agrupam anúncios de diversas imobiliárias. Quando eu ainda estava no Brasil em 2020, comecei a estudar os preços dos apartamentos, localização e quantidades de quartos e banheiros através desses sites.
Os apartamentos e as casas são, em geral, muito antigos, com problemas no aquecimento, assim como na fiação elétrica. Nesse sentido, há muitas ocorrências de encanamento entupido devido à presença de calcário na água, que vai causando acumulação de pedras nas tubulações.
As residências geralmente possuem um banheiro com vaso sanitário e, até há bem pouco tempo atrás, não havia pia para lavar as mãos nele. Há um tipo de banheiro chamado de “sala de banho”, com pia e uma banheira, mas sem chuveiro. Os chuveiros foram instalados acima da banheira com o passar das décadas. E após a pandemia covid-19, pias bem pequenininhas foram instaladas nos banheiros.
Os interruptores localizam-se do lado de fora da sala de banho, onde não havia tomadas. Mais uma dentre as curiosidades sobre a Bélgica! Dizem que isso se deve ao acidente de um famoso cantor belga que faleceu eletrocutado por trocar a lâmpada do banheiro quando estava molhado e com a energia ligada. Eles têm muito medo de eletricidade nas areas molhadas.
Os prédios não possuem porteiros. Assim, na campainha e na caixa de correio das residências está escrito o sobrenome do morador. É costume a guarda policial ir até a sua residência após seu registro como estrangeiro na prefeitura, para conferir as condições de moradia, a documentação dos moradores e, dessa forma, assegurar-se da inexistência de clandestinos. Infelizmente muitos estrangeiros vêm para a Bélgica para conseguir melhores condições de vida e acabam entrando na ilegalidade, por isso esse controle.
Reciclagem
A reciclagem de lixo é levada muito à sério na Bélgica, com empresas públicas responsáveis pela a coleta e destinação. Faz-se a separação em casa com sacos de lixos coloridos, dedicados aos diferentes tipos de materiais. É proibido misturar materiais, e as multas, no caso de descumprimento, pesam no orçamento. O que não acontece no Brasil, pois temos conhecimento do importante valor para a população carente da arrecadação de material reciclável para complementar a renda, não raro a única fonte de renda familiar. O que me chocou quando morei em países árabes desenvolvidos é que todo o lixo tem o mesmo destino. Tanto no Catar, quanto nos Emirados Árabes Unidos, não há separação de lixo. Sabendo da importância, tanto financeira quanto para o meio ambiente desse procedimento, a forma de destinação do lixo nesses países é uma verdadeira catástrofe.
Comércio
Algumas lojas fecham para almoço e, no verão, época de férias, costumam colocar uma plaquinha escrita à mão mesmo, para avisar a clientela de que o estabelecimento ficará fechado durante determinados dias.
Os belgas têm o costume de almoçar sanduíche, em uma baguete.
As feiras são um caso à parte! Vende-se de tudo o que se possa imaginar, além de frutas, verduras e legumes. Barracas das mais variadas nacionalidades vendem queijos de todos os tipos, leite tirado diretamente da vaca, embutidos das mais diversas formas e sabores, roupas de uma variedade infinita de modelos, cores e gostos, além de animais vivos que vão muito além de peixinhos de aquário. A saudade do pastel frito na hora só é compensada pelo mercadinho de produtos brasileiros.
Há muitos marroquinos vivendo na Bélgica, porque eles ajudaram o país a se reconstruir após a primeira guerra mundial. Portanto, os belgas têm uma profunda gratidão por eles, o que, a meu ver, descamba para o exagero, pois acabam fazendo vista grossa para a violência e os desrespeitos às leis locais.
Quando o sol dá as caras, as calçadas são tomadas pelas mesas dos bares e restaurantes, para que o sol seja aproveitado ao máximo. Interessante é que as garrafinhas de cerveja são retornáveis e reembolsam 5 centavos de euro em crédito para a próxima compra. Eu não tinha me dado conta disso e imagino que desperdicei uns muitos euros já que sou uma boa apreciadora da bebida.
Uma engenheira paulistana, quarentona, casada, mãe da Maya que nasceu em Dubai e da Miya que nasceu na Bélgica, onde moramos atualmente. Já morou no Rio de Janeiro, em Doha no Catar, em Dubai nos Emirados Árabes Unidos, que trabalha com projetos e obras de metrô, trem, tramway (VLT) e tem sempre um sorriso largo no rosto 🙂