Japonesa que fala “brasileiro”? Esta talvez seja a frase que eu mais ouço cá em Portugal desde que cheguei há cinco meses atrás.
Mas o que é ser japonesa ou ser brasileira no meu caso?
Quem é a japonesa que fala “brasileiro”?
Meu nome é Noemi Shigetomi e este é o meu primeiro texto como colaboradora neste blog.
Sou brasileira, filha de pai com dupla nacionalidade (Brasil e Japão), hoje artista plástica, instrutora de yoga e gosto muito de escrever.
Desde que nasci até os meus seis anos eu só falava o idioma japonês dentro de casa. Aliás, nos meus primeiros dias de aula na escola sofri o tal do bullying por não saber falar o português com os meus coleguinhas.
Superado o trauma, sempre fui a amiga japonesa, a “Japa” do caixa do Banco XPTO ou ainda a secretária “Japa” dos diretores japoneses da multinacional de bebidas. E para mim isso era normal, pois estudar o idioma japonês me trouxe grandes oportunidades na vida.
“Japa” no Japão é brasileira
Então a “Japa” que julgava ser meio japonesa, meio brasileira, resolveu fazer um estágio de seis meses no Japão. E foi aí a grande descoberta, por mais que eu tenha traços do rosto de uma japonesa, no Japão eu sou o quê?
Noemi, no Japão, é brasileira.
Não basta ter Proficiência Nível 2 no idioma e não basta ser filha de japonês. Foi lá que eu sofri algumas discriminações a ponto de eu ter que ameaçar chamar a polícia para reivindicar meus direitos e me segurar para não ofender uma médica.
No Japão nem o termo “expatriado” é usado, ou você é “gaijin” (estrangeiro) ou você é “dekassegui”, que quer dizer que saiu do seu país para ganhar dinheiro.
Mudando para Portugal
E agora em Portugal? Noemi é quem?
Andando pelas ruas do Porto, percebo que há muitos turistas orientais visitando a cidade.
E somente um ouvido aguçado, de quem entende e fala fluentemente o idioma japonês, consegue identificar que os olhinhos puxados são na maioria chineses e coreanos. Para dizer a verdade, conheço apenas mais uma nikkei brasileira nesta cidade.
E geralmente o que acontece comigo é: se adentro em uma loja geralmente o atendente vem falar comigo em inglês!!!!
“Thank you ! Por gentileza…. “ E noto que há um certo ar de surpresa no rosto do atendente.
Pois, sou eu, a japonesa que fala brasileiro !!!!
Até criancinhas de 5 anos quando eu pronuncio algo, ouço a frase “Ah, ela fala brasileiro”!
Ela é engraçada, é diferente. Pensei que ela iria falar em inglês comigo“.
Brasileiro fala português
Esclarecendo, por mais que eu corrija os portugueses ressaltando que no Brasil falamos o “Português do Brasil”, aquele com (BR), eles insistem que falamos “Brasileiro”!
Mas o quanto nós brasileiros também custamos a entender o português de Portugal?
Eu acho o sotaque português muito bonito, porém quando aquelas senhoras saem falando alto e rápido ao telemóvel eu não consigo perceber muita coisa, não sei se estão brigando com a outra pessoa da linha ou se estão conversando normalmente.
O mais engraçado é que costumo fazer as comparações, então para os portugueses, os americanos dos Estados Unidos não falam inglês e sim “Americano”?
Um país que no auge do século XVI desbravou os oceanos e continentes, inclusive desembarcando ao sul do Japão e levando o Cristianismo para o Oriente, pois observo traços culturais na arquitetura, na música e nas artes, mas qual será o contexto de dizerem que os brasileiros falam “Brasileiro” e não o Português do Brasil?
Naquela época eles eram imigrantes, ou expatriados no Brasil. Hoje, provavelmente estamos a fazer o inverso, netos de portugueses retornando à terra dos avós. E assim a humanidade caminha nas intensas e tortuosas regras gramaticais que nos confundem a cabeça.
Se cá estou, tento me adaptar aos costumes e à cultura local. Isto foi o que aprendi após doze anos morando no Japão. Respeito o local que nos acolhe!
Mas, já ouvi muitos amigos portugueses que comentaram comigo que os próprios filhos por consumirem tanto conteúdo digital brasileiro, estão a pronunciar com sotaque “brasileiro”!
Resta-nos saber se os portugueses irão aceitar que os filhos passarão a falar “brasileiro”.
Os desafios da expatriada
Acredito na globalização, aliás o advento tecnológico nos aproximou na mesma proporção que nos distancia da real essência do ser humano.
Mas seria hipocrisia uma cultura fundamentada na separação dos seres humanos. Assim como eu, com rosto de traços japoneses, ouvir de uma japonesa coisas do gênero: “Vá embora para o teu país, pois aqui teu marido não terá condições de ser operado e recuperar-se deste acidente”.
Não questiono aqui se seria questão de xenofobia, porém, contudo, todavia, entretanto, tenho cá minhas dúvidas e gostaria de utilizar a minha participação neste blog para compartilhar minhas reflexões de uma vida de expatriada.
E atenção, até na utilização do termo expatriado, imigrante e refugiado, temos lá nossos pre-conceitos inseridos provavelmente no inconsciente. Mas isto ficará para um outro texto em breve!
Artista plástica, escritora e instrutora de Yoga Tibetano.
Morou por 12 anos no Japão trabalhando como tradutora-interprete e, após o tsunami de 2011, retornou ao Brasil.
Em seguida, trabalhou como secretária-executiva da diretoria japonesa de uma grande multinacional do ramo de cervejas. Por isso, de cervejas, ela entende !!!
Há 5 anos fez uma transição de carreira, deixando o mundo corporativo para trilhar o caminho das artes e do autoconhecimento, o que a levou a estar hoje em Portugal.
Ela busca compartilhar suas experiências, mostrando com leveza que é possível encontrar o equilíbrio emocional através do desenho criativo e da pintura.
Respostas de 3
Parabéns 🎊🎈 desejo muito sucesso
Parabéns pela coragem e enfrentamento.Sonho em um dia poder fazer o mesmo, viver os desafios com prazer, permitir-se ao novo!