Escrever sobre expatriadas é contar também sobre Clarice Lispector. Ela que é considerada uma das maiores escritoras brasileiras do século XX, no entanto produziu a maior parte da sua obra vivendo no exterior.
De antemão, Clarice Lispector era ucraniana de nascença, porém naturalizada brasileira. Quando pequena mudou-se para o Brasil com a família judia fugindo de uma guerra civil que afligia o país.
Chegando no Brasil, encontrou moradia e aconchego em terras nordestinas, primeiro Maceió e depois em Recife. Mas na adolescência passou a morar no Rio de Janeiro.
Concluiu o curso de Direito, mas acabou não exercendo a carreira. Dedicou-se ao jornalismo e escrevia para revistas e jornais da época.
Começou a sua carreira literária escrevendo contos aos 19 anos. Mais tarde publicou o seu primeiro livro, um romance intitulado Perto do Coração Selvagem.
Nos anos 40, a sua escrita chamou atenção por possuir um estilo arrojado. Apesar de escrever textos sobre o cotidiano, os fazia com tamanha profundidade. Seu estilo causava um estranhamento inicial, mas cativava os seus leitores.
Família e livros
Assim como acontece com a maioria de nós mulheres expatriadas, ela se casou e logo depois se mudou para o exterior. Foi parar em Nápoles na Itália onde acompanhava o marido diplomata. E daí por diante, passou longos 16 anos longe do Brasil.
Viveu também na Suiça, Estados Unidos e Inglaterra. Mas sentia falta do Brasil e para aliviar a saudade, visitava com frequência o nosso querido país onde aproveitava para lançar os seus livros. Nessas andanças em terras estrangeiras, virou poliglota, além do português e iídiche falava inglês e francês.
Assim criou uma obra internacionalmente reconhecida e traduzida em vários idiomas. Escreveu da juventude à velhice, dedicando uma vida inteira à literatura.
Fico imaginando seus dias de expatriada sendo vividos em meio a inúmeros desafios e a dedicação com a qual ela, a mulher Clarice, conciliava o seu papel de esposa, mãe e dona de casa com o ofício intenso de sua escrita.
Contudo, ela teve o privilégio de não ter que trabalhar fora e tinha uma ajudante à disposição, o que lhe conferia mais tempo livre para criar seus premiados romances, crônicas e contos.
Sobre filhos, criou dois meninos: um nascido na Suíça e o outro nos Estados Unidos. Eles reclamavam que ela escrevia para tanta gente, mas não escrevia para eles. Desse pedido escreveu cinco livros infantis.
Prolífica sim – intelectual não
Ler os livros da Clarice é ir de encontro à uma leitura tão potente que mexe com algo dentro da gente. O que lemos pode ficar ressonando horas e até dias em nossos pensamentos. Ela nos surpreende, nos intimida e às vezes nos faz rir no meio de textos com questionamentos filosóficos ou não.
Ela dizia que não era intelectual:
“Eu não sou um intelectual, escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida. As palavras são sons transfundidos de sombras que se entre cruzam desiguais, estalactites, renda, música transfigurada de órgão” (do seu livro A Hora da Estrela).
Vítima de um câncer de ovário, Clarice se despediu desse mundo um dia antes do seu aniversário de 57 anos após completar o romance “A Hora da Estrela”.
Sem dúvida é uma raridade encontrar na literatura uma escritora, expatriada, casada e mãe que tenha produzido uma obra literária inigualável e de tamanho impacto em gerações de muitos leitores.
Ela se foi mas a sua obra brilha como uma estrela nos iluminando e provocando.
Vídeo – entrevista com Clarice Lispector. Clique aqui
Outros textos da autora. Saiba mais
Passou pelo Canadá e Bahrein antes de firmar residência em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Escreve também literatura infantil, haicais e contos. É autora do “O Jardim da Lua” (finalista do Prêmio Jabuti 2022 na categoria ilustração) da editora Tigrito.
“Sarah & The Pink Dolphin” é seu primeiro livro bilíngue (inglês e árabe) publicado pela Nour Publishing.
Participou do Festival de Literatura da Emirates Airline em 2019 com o livro: “Pepa e Keca em Quem viu rimas por aí?”.
Atualmente cursa a pós-graduação “O livro para a Infância: processos de criação, circulação, mediação contemporâneos” na A Casa Tombada. É parceira do clube de assinatura de livros infantis, A Taba, nos Emirados.