Hoje, um dia qualquer de agosto, é verão em Dubai. A princípio, uma estação um tanto esperada em outros países. Mas imagine que por aqui, não aproveitamos do mesmo jeito, a época mais quente do ano, como em qualquer outra região. Se não fosse a pandemia, muitos já teriam escapulido para bem longe, ainda mais, que esse é um período que coincide com o das férias escolares.
Verão nos Emirados Árabes, é sinônimo de confinamento na maior parte das horas. As altas temperaturas do Oriente Médio, começam a nos incomodar desde maio e esse estio vai até meados de setembro.
Quarenta e cinco graus
Recebi uma notícia que cortou meu coração. Na calçada em frente à minha casa há uma neem toda amarelada que será posteriormente, arrancada pela administração do condomínio – ela não suporta mais o calorão, sucumbe no passar dos dias – será substituída por outra.
E nós? Como fazemos para ir adiante e não desistir até esse verão em Dubai findar? A gente vai driblando como pode, acorda bem cedo, faz caminhada ou pedala. Vai à praia ou à piscina no finalzinho da tarde, por alguns minutos para respirar um ar fresco meio estranho. E de resto, vamos ficando em casa, trabalhando, passeando pelos shopping malls, levando as crianças para casas de amiguinhos escolhidos a dedo – o medo da transmissão do COVID-19 nos restringe.
É como se estivéssemos num inverno rigoroso canadense, trancafiados em casa, só que do lado de fora transpira um calor daqueles, juntamente com uma umidade, que nos convida para uma sauna ao ar livre. Todavia, sem contar que, dentro de casa só se fica bem com ar condicionado ligado o dia inteiro.
Um tempo que nos pertence
Quem é do Norte do Brasil ou de Piauí se viesse por aqui, pararia de reclamar nas primeiras horas que chegasse, sentiria um bafo quente diferente e úmido, beijar o seu rosto ao sair pela porta do aeroporto.
Apesar dessa quentura toda, a gente vai vivendo. Sem esquecer que estamos em pandemia, a nossa liberdade é delimitada mais ainda, pelo distanciamento social e por consequência, nos trazendo para mais dentro da gente. Esse é um tempo que nos pertence realmente; e com menos barulho – um haicai* se faz:
casa no deserto
ao meio-dia
nem gato mia
Simultaneamente, os dias acabam sendo longos e, logo após ao sol ir embora, nos maravilhamos com o lusco-foco de cores quase que pintadas a mão entremeando os arranha-céus e as tamareiras.
Começo, meio e fim
Aprendemos, que a paciência, é sem dúvida uma das maiores virtudes, reclamando ou não, dia após dia, vamos entendendo que assim como as estações, tudo tem um propósito de ser, com começo, meio e fim.
Pensar que em outros tempos, os nossos amigos beduínos passaram por vários verões, atravessando desertos e em situação bem mais precárias que as nossas. Como eles sobreviveram? Andavam à noite guiados pelas estrelas e descansavam durante o dia à sombra da ghaf (árvore típica do UAE). Salve a resiliência e as nossas benditas árvores!
Em suma, é fim do dia e o pôr do sol chegando na minha janela. Queria eu ter avisado a tempo a administração do condomínio e poupado aquela neem, ou melhor, queria eu ter tido a inciativa de a ter regado diariamente, para que ela sobrevivesse a mais esse verão até o fim junto comigo.
Atividades durante o verão em Dubai. Saiba mais.
Outros textos da autora. Clique aqui.
(Imagem do pôr do sol em destaque: crédito de Marcel Weichert)
*haicai é a poesia mais diminuta que existe, consistindo em somente três versos e de origem japonesa.
Passou pelo Canadá e Bahrein antes de firmar residência em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Escreve também literatura infantil, haicais e contos. É autora do “O Jardim da Lua” (finalista do Prêmio Jabuti 2022 na categoria ilustração) da editora Tigrito.
“Sarah & The Pink Dolphin” é seu primeiro livro bilíngue (inglês e árabe) publicado pela Nour Publishing.
Participou do Festival de Literatura da Emirates Airline em 2019 com o livro: “Pepa e Keca em Quem viu rimas por aí?”.
Atualmente cursa a pós-graduação “O livro para a Infância: processos de criação, circulação, mediação contemporâneos” na A Casa Tombada. É parceira do clube de assinatura de livros infantis, A Taba, nos Emirados.