Diz o ditado que se Maomé não vai a montanha, a montanha vem a Maomé. E foi mais ou menos isso que aconteceu quando minha mãe veio me visitar em Londres, na Inglaterra.
No final de 2019 eu comprei passagens para ir, junto com meu filho, visitar nossa família no Brasil. Iríamos passar a Páscoa de 2020 com meus pais, viajar para a praia e aproveitar muito. Mas mesmos os planos mais bem elaborados podem acabar não se concretizando.
A pandemia do Covid-19 obrigou a Inglaterra a fechar as fronteiras e, em março de 2020, todos os voos foram cancelados. Nossas passagens foram remarcadas diversas vezes.
Por conta do meu trabalho e da escola do meu filho, nossas agendas ficaram incompatíveis. Mas, finalmente em novembro de 2021 eu consegui viajar. Ele iria em abril de 2022. No entanto, mais um vez nossos planos não deram muito certo.
Para não perder a passagem, convidei minha mãe para vir nos visitar. E para nossa surpresa, e alegria, ela aceitou. Mas teria que ser no verão, para aproveitar mais o passeio.
Preparativos
Como a possibilidade de minha mãe vir me visitar em Londres nunca foi cogitada, havia muito que ser feito antes da viagem. Para fazer o passaporte era preciso estar com os documentos pessoais atualizados. Foi então que a corrida contra o tempo, e a burocracia, teve início.
Foi preciso, ainda, providenciar carteira de vacinação da Covid-19, carta convite para ela entrar na Inglaterra como turista e acompanhamento para idosos. Ela não fala inglês e as duas amigas que vieram no mesmo voo precisaram de cadeira de rodas. Coisas simples para quem é expatriada, como malas no tamanho permitido pelas companhias aéreas, entraram na lista de compras dela. Junto com muitas encomendas minha e mimos que ela queria trazer para o neto.
A viagem
Minha família mora em Foz do Iguaçu, no Paraná. Mas uma das amigas que viajaria junto mora em Curitiba. Então as duas avós do meu filho, minha mãe e minha sogra (mãe do meu falecido marido), encararam mais de doze horas de ônibus até a capital paranaense. De lá embarcaram para São Paulo e, finalmente, para Londres. Uma viagem que durou, ao todo, vinte e quatro horas, entre embarques e desembarques.
Felizmente o voo foi tranquilo e, se não fosse pela falta de experiência dela, teria sido mais confortável. Mas acho incrível a forma como ela encara essas adversidades, como aprendi com ela. Um exemplo foi a forma como ela “se virou nos trinta” com o pessoal da imigração. Os aeroportos ingleses estão com falta de pessoal e, por esse motivo, minha mãe acabou sendo separada das amigas que precisaram esperar pelas cadeiras de rodas e estavam com a bolsa e o passaporte dela.
Mesmo sem falar uma palavra em inglês, ela se fez entender. Falou em alto e bom som que o seu idioma era o português, e não brasileiro. Enquanto ela repetia “português” para uma atendente que insistia no “Brazilian”, uma cidadã portuguesa ouviu a “conversa” e se ofereceu como intérprete. Mal entendido resolvido, mais de duas horas após o pouso, finalmente pudemos abraçar nossas mães.
Uma sensação ainda melhor do que senti quando fui visitá-la. Saber que ela enfrentou, e venceu, tantos desafios, me deixa emocionada, e orgulhosa.
Minha mãe, turista em Londres
Quando fui para o Brasil de férias, minha mãe estava disponível o tempo todo. Afinal ela é aposentada. Já agora, quando minha mãe veio me visitar em Londres, eu não pude estar com ela como gostaria, pois preciso trabalhar. E, ao contrário do que muita gente pensa, vida de expatriada e mãe solo, não é nada fácil.
Felizmente meu filho já é grande e faz companhia para ela durante o dia. Nossas noites são preenchidas com conversas que parecem nunca ter fim e os finais de semanas com passeios turísticos. É maravilhoso ver o encanto nos olhos dela a cada lugar visitado. Já fomos ver o Big Ben, a Tower Bridge, a London Eye, o Hyde Park e o Buckingham Palace. Mas o lugar que ela mais gostou foi Kew Gardens, com seus imensos viveiros de plantas do mundo todo.
Isso até agora, já que ainda vamos viajar para uma das praias mais lindas da Inglaterra, em Cornwall e navegar pleo Rio Thames.
Homenagem, agradecimento e orgulho
Minha mãe nunca sonhou em vir para a Europa. Mas ela regou o meu sonho de me tornar expatriada com lágrimas e suor. Não permitiu que eu perdesse um dia de aula e sempre me fazia pensar na diferença de peso entre a vassoura e a caneta.
Nesses seis anos vivendo como expatriada, nunca ouvi uma palavra de recriminação por minha escolha. Eu sei que a saudade dói, que ela gostaria de ter a filha e o neto por perto. Mas se é para me ver feliz, ela tem coragem de atravessar o oceano sempre que necessário.
Esse artigo é menos sobre turismo e mais sobre ser grata pelas pessoas que temos em nossas vidas. Estejam elas aqui ou no Brasil. Sejam elas mães, pais, irmãos, amigos ou apenas conhecidos. É sobre ter orgulho de onde viemos, de onde estamos e de onde ainda podemos chegar. É uma maneira de homenagear quem ficou lá no Brasil, torcendo por nós. Aqueles que engolem o choro, convivem com a saudade, e esperam.
Nossos planos não são definitivos. Nada na vida é. Talvez um dia a gente volte. Talvez um dia eles venham. A única certeza é que nunca mais seremos inteiros.
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Sou paranaense, expatriada em Londres desde 2016. Bahcarel em Turismo por formacão, administradora de profissão e escritora por amor. Apaixonada por livros, viagens, fotografia, artesanato, jardinagem e camping. Mãe orgulhosa de um adolescente e namorada de um verdadeiro lord inglês, com quem estou descobrindo a ilha da Rainha. Para acompanhar minhas aventuras pela Inglaterra me sigam no Instagram.
Uma resposta
Lindo texto Bel, eh sempre uma grande alegria receber nossa família e assim poder dividir com eles o nosso dia a dia em um país diferente. Abraço