Vanda acordou naquela manhã de céu azul, sentindo um contentamento misturado com frio na barriga de quem vai mudar de país pela primeira vez.
A princípio, foram tantos acontecimentos que precederam aquela segunda-feira: o seu casamento com Leandro, a festa de despedida com as amigas da empresa onde trabalhou como secretária executiva e o almoço com os familiares que durou um dia inteiro. Sua vida começava a tomar outros rumos. Tinha 25 anos.
Contudo, vários sentimentos se misturavam entre expectativa, alegria, medo, insegurança, porém, uma certa dose de curiosidade em ir ao encontro do desconhecido a animava.
Sabia que essa mudança inesperada não iria ser pra sempre, desse modo, passaria somente três anos longe da sua pequena cidade no interior paulista. Acompanharia o esposo que fora transferido a trabalho para Madri, na Espanha.
O plano seria viajar, conhecer outra cultura e juntar umas economias. Na volta comprariam a tão sonhada casa num condomínio fechado.
Mulher aventureira?
Vanda não se considerava uma mulher aventureira. Tinha certeza que moraria na mesma cidade até o resto da vida. Conhecia outros países apenas quando assistia aos programas de turismo. No máximo, fazia viagens curtas de fim de semana com Leandro à capital para idas ao teatro, às lojas ou encontrar amigos.
Fez as malas, comprou coisas que achava que não iria achar na nova cidade que lhe acolheria. Foi se despedindo dos lugares preferidos, como por exemplo, a praça onde fazia caminhadas matutinas; almoçou na cantina pedindo a sobremesa preferida: doce de figo ao creme.
Finalmente, o dia da despedida chegou com um aperto no peito. Abraços dados a cada um dos entes, a fez partir com um nó na garganta. Por outro lado, tinha certeza que estava no caminho certo: “serão só três anos de vida expatriada, passa rápido” ela dizia.
Rotina de expatriada
Certamente, estava ao lado do homem que amava e assim tudo valeria a pena. Só tinha uma preocupação: o que faria enquanto o marido estivesse trabalhando? Estaria num país novo e faltava a fluência da língua espanhola mas seguiu assim mesmo, daria um jeito e o universo haveria de ajudá-la.
Os primeiros meses não foram fáceis, mas Vanda tentava se adaptar aos dias que eram longos até o marido chegar. Ela se sentia um tanto sozinha. Falava pelo Skype diariamente com a família, se dedicava a cuidar da casa, aprendia a cozinhar olhando os sites de receitas.
Seu tempo era preenchido, lendo livros que não teve tempo de ler no Brasil, e com horas na academia do prédio. Ainda assim, visitava os pontos turísticos da cidade e gostava de ir ao supermercado atraída pelos produtos. O diferente lhe fascinava. Às sextas não desistia de fazer as unhas, embora pagasse o triplo em euro.
Adaptação diária
Essa rotina seguiu por uns bons meses e Vanda foi ficando entediada até que começou a fazer aulas da língua local. Só assim se adaptaria melhor, pensou. O tempo foi passando, começou a fazer amizade com estrangeiros da escola. Ao mesmo tempo fez amizade com uma brasileira e a vida foi melhorando.
De aula em aula, de academia em academia, de receita em receita, quase dois anos se passaram. Seu espanhol melhorou e continuava em ótima forma física. Terminou de ler todos os livros que levou na mala. Consequentemente, começava a se adaptar com a vida de expatriada.
Posteriormente, quiz trabalhar, pois achava que se conseguisse um trabalho mesmo que por um ano, seria uma ótima experiência no seu currículo quando retornasse ao Brasil.
Conseguiu um emprego de meio expediente como assistente numa empresa de importação, pois precisavam de alguém que falasse português. Tudo estava tão bom de se viver.
Mais surpresas: só três anos de vida expatriada?
Foi quando teve a notícia que o marido seria transferido para outro país no final do seu contrato. Seu coração ficou bagunçado e queria chorar, mas ao mesmo tempo ficou feliz pela oportunidade irrecusável que o marido recebera. Não tinha como dizer não. Concordou que aceitaria a mudança mas só por mais três anos.
Simultaneamente, bateu aquela preocupação do que faria no novo continente e pensou que talvez seria uma oportunidade de fazer um curso de especialização online. Aproveitou bem o último ano até chegar na Austrália, quando teve outra surpresa que não foi planejada: estava grávida de gêmeos.
Todavia, o universo conspirou mais uma vez para que ela ficasse ocupada, dessa vez em cuidar dos seus lindos bebês que vão nascer. Logo, os seus estudos vão ter que esperar por um bom tempo.
Por último, essa é a história da Vanda que segue vivendo intensamente os imprevistos e desafios da vida de uma mulher expatriada, independente do país onde mora.
Da última vez que fiquei sabendo dela, estava mudando pela terceira vez e dessa vez teria um outro desafio: aprender francês, pois viveria na parte francesa do Canadá: Quebec City. E ela só aceitou, porque o marido lhe garantiu que seria o último país e somente por mais três anos.
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Passou pelo Canadá e Bahrein antes de firmar residência em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Escreve também literatura infantil, haicais e contos. É autora do “O Jardim da Lua” (finalista do Prêmio Jabuti 2022 na categoria ilustração) da editora Tigrito.
“Sarah & The Pink Dolphin” é seu primeiro livro bilíngue (inglês e árabe) publicado pela Nour Publishing.
Participou do Festival de Literatura da Emirates Airline em 2019 com o livro: “Pepa e Keca em Quem viu rimas por aí?”.
Atualmente cursa a pós-graduação “O livro para a Infância: processos de criação, circulação, mediação contemporâneos” na A Casa Tombada. É parceira do clube de assinatura de livros infantis, A Taba, nos Emirados.