Meu aniversário aconteceu na primeira semana de junho. Pela primeira vez, preparei o meu próprio bolo, feito de massa simples mas um pouco diferente. Inventei e o intitulei de bolo meio-a-meio: de um lado com cobertura de calda de açúcar e a outra metade com chocolate meio amargo banhado com o licor de cascas de laranja, o aromático Cointreau – para dar um toque especial na comemoração.
Uma festa em família, à quatro, sem barulho, sem amigos, sem vela e num dia anormal, em tempos estranhos de confinamento. Dia esse que trouxe algumas reflexões e lembranças.
Recordei-me de quando era menina pequena: o meu pai não gostava de festejar seu aniversário, e mesmo assim costumávamos reunir toda a família e parentes para um bolo surpresa, na hora de apagar a vela, ele muito brincalhão e desconfiado, apenas acendia seu cigarro rapidamente na vela do bolo, depois saia da casa à francesa, não gostava de cerimônias.
Ele preferia no seu dia, pegar o carro e dirigir pelas ruas da cidade em contemplação, observando o movimento das pessoas pelo centro daquela cidade margeada por um rio quase infinito e de um pôr do sol único.
Contemplar é viver
Diferente dele, a minha contemplação no meu dia fora outra, à la janelas fechadas – em Dubai estamos na época mais quente do ano, é abafado e úmido – assim num confinamento dobrado devido à pandemia.
De manhã cedo, sentei-me de frente à uma janela de vidro, e olhava para fora em direção a um caramanchão entrelaçado com galhos, folhas e flores de jasmim, próximo à porta de entrada da casa, pois lá um ninho de passarinhos me chamava a atenção.
Depois de alguns minutos meditativos, lá vem ele sem notar a minha presença de espectadora, um fazedor de ninhos, trazia um dos vários gravetos e ficava pra lá e pra cá construindo o seu recanto. Uma alegria matutina se fez.
Em seguida, mais um espanto: um beija-flor roxo atravessou o meu olhar e rodopiou por uns segundos e partiu, pronto! Um presente mais que especial me fora dado. A mãe natureza me mostrou mais uma vez os seus encantos, a sua bravura, diante do calor mais que desagradável, no meio de um deserto em tempos incertos.
Quantas vezes, não nos perdemos na agitação do dia, sem sequer notá-la, em qualquer lugar há vida latente. Basta pararmos e procurarmos por essas belezuras que nos aquecem a alma, ainda que morando numa cidade de clima inóspito é de natureza escassa.
Refúgio e café coado
Uma coisa é certa, precisamos encontrar beleza nas pequenas coisas para seguirmos adiante, acreditando que o amanhã, será melhor do que hoje. Achar nossos refúgios, mesmo em quatro paredes é redimir-se, enquanto lá fora, um mundo tão frágil padece e nos sentimos impotentes.
No fim da tarde, o parabéns veio mesmo sem vela acesa mas com abraços e muitas mensagens de carinho, vindas virtualmente de terras também tupiniquins. E um bolo de aniversário, é sempre mais gostoso quando é compartilhado junto com uma xícara de café coado – no pano claro! para não se perder as raízes.
Termino aqui com um dito do meu velho pai que já partiu para um plano melhor:
“Não leve em conta o tempo ruim, mas siga adiante de qualquer jeito: no improviso, no remendo, no provisório. O importante é não perder a ocasião, não desistir fácil, não deixar para depois, mas crer que de um jeito ou de outro a coisa pode dar certo”
Mais um ano com bolo, e mais um ano de existência, celebrado num dia de aniversário incomum. Viva a natureza e as pequenas coisas! Passamos a valorizá-las ainda mais quando nos tornamos mulheres expatriadas e longe do nosso querido país de origem. Procure o seu refúgio também!
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Passou pelo Canadá e Bahrein antes de firmar residência em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Escreve também literatura infantil, haicais e contos. É autora do “O Jardim da Lua” (finalista do Prêmio Jabuti 2022 na categoria ilustração) da editora Tigrito.
“Sarah & The Pink Dolphin” é seu primeiro livro bilíngue (inglês e árabe) publicado pela Nour Publishing.
Participou do Festival de Literatura da Emirates Airline em 2019 com o livro: “Pepa e Keca em Quem viu rimas por aí?”.
Atualmente cursa a pós-graduação “O livro para a Infância: processos de criação, circulação, mediação contemporâneos” na A Casa Tombada. É parceira do clube de assinatura de livros infantis, A Taba, nos Emirados.
Uma resposta
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