Em 2004 mudei com o meu marido para Manama no Bahrein. Uma ilha no meio da Península Arábica rodeada por um mar de belezas, povo acolhedor e uma culinária que apetece o paladar de qualquer novo residente. Logo de início, estranhei que o fim de semana era bem atípico do resto do mundo, pois acontecia na quinta e sexta. Na época uma tradição seguida nos países do Golfo Pérsico.
Se resguardava a sexta-feira. Era o dia principal de preces à Alá. O Deus citado no Alcorão. Então, o nosso domingo ocidental virava sexta-feira. E no dia anterior, a quinta-feira muçulmana tinha jeito do sábado que conhecemos. Um final de semana ao contrário.
Na sexta, a maioria dos estabelecimentos comerciais fechavam. Era um tempo de descanso também para nós, os expatriados — formávamos oitenta por cento da população local. Não se via muitas pessoas nas ruas e aquele grande movimento dos ruídos dos pneus dos carros.
Consequentemente, a cidade toda se acalmava e com o silêncio em toda parte, via-se mais nítido o azul-turquesa das águas que rodeavam a ilha de Manama. Por outro lado, sem ter muito o que fazer, era um dia de encontrar os amigos — aqueles que consideramos a nossa família quando moramos no exterior.
Nesse dia de sexta, certamente quem passasse em frente de alguma mesquita escutaria o sermão fervoroso feito pela voz do Imam vindo daquele templo. Lugar de aparência celestial que por alguns segundos nos trazia uma paz repentina. Veria também do lado de fora da porta de entrada, os chinelos e sapatos enfileirados dos seus devotos que enchiam as mesquitas naquele dia sagrado.
Sexta-feira sagrada
Eles chegavam. Vários homens de vestimentas brancas ou não, e algumas mulheres com seus vestidos pretos e véus, mas que seguiam para uma área reservada a elas. Todos em comunhão com a sua fé. Minutos antes do início das orações, o ritual de ablução se fazia necessário, como uma forma de deixar para trás, as impurezas de seus espíritos.
Eu, como toda expatriada, achava tudo isso exótico. Por outro lado, aos poucos me acostumava com a convenção desse fim de semana diferente.
Para espanto de todos, depois de dois anos de minha chegada na cidade, houve uma mudança dos dias de fim de semana para sexta e sábado. Uma tentativa de aproximação com as nações fora da região com intuito de fomentar a área de negócios. Comemorei que pelo menos um dia de fim se semana seria similar ao nosso brasileiro.
A nova norma se sucedeu nos países do Golfo Pérsico: Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos e Omã. Até que outro ajuste histórico acontecesse no primeiro dia de janeiro deste ano de 2022.
O domingo voltou a ser domingo ao lado do sábado. Mas, somente aconteceu nos Emirados Árabes Unidos, país onde resido com a minha família desde 2007.
Novas medidas
Dizem que essa medida foi tomada para tornar o emirado ainda mais competitivo comercialmente. Como foi na primeira tentativa lá atrás. O que tem sido mais fácil de ser implementada aqui do que em outros países. Isso devido ao grande número de expatriados que aqui vivem.
Provavelmente, num futuro próximo os outros países membros do Conselho de Cooperação do Golfo da mesma forma passarão a aderir à essa nova diretriz.
Juntamente com essa nova mudança, os Emirados anunciaram ainda que o final de semana começa na sexta-feira ao meio dia. Obrigatório para as empresas do setor público, e opcional para as companhias privadas.
Ao mesmo tempo, você deve estar se perguntando o que aconteceu com o dia sagrado de sexta-feira. Para facilitar, os cultos começam na sexta a partir das 13:15h para que haja tempo suficiente dos fiéis chegarem ao local. Sem esquecer de mencionar sobre o novo horário das escolas públicas e privadas. Ambas alteraram os seus calendários semanais para quatro dias e meio.
Fim de semana normal
Dessa forma, os Emirados se tornam assim, o primeiro país da região a ter um final de semana de dois dias e meio. Isto significa que a semana de dias úteis foi encurtada para quatro dias e meio. Um avanço inesperado pela população local e acima de tudo uma surpresa para a mídia internacional.
Do meu lado, eu ainda ando me acostumando com essa troca da sexta pelo domingo. Não vou mentir. Estou achando estranho.
Antes quando a quinta-feira acabava como o último dia da semana, o dia seguinte tinha o ritmo desacelerado e sem muitos compromissos. E ainda para piorar, na primeira semana dessa alteração me enrolei, não compareci a um compromisso que seria num sábado achando que aquele dia era uma sexta-feira. Que vergonha! Hoje reflito e falo que foi mais fácil me adaptar com o inverso, quando cheguei no mundo Árabe lá em 2004.
“A fé é um oásis no coração que nunca será alcançado pela caravana do conhecimento.” Khalil Gibran
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Passou pelo Canadá e Bahrein antes de firmar residência em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Escreve também literatura infantil, haicais e contos. É autora do “O Jardim da Lua” (finalista do Prêmio Jabuti 2022 na categoria ilustração) da editora Tigrito.
“Sarah & The Pink Dolphin” é seu primeiro livro bilíngue (inglês e árabe) publicado pela Nour Publishing.
Participou do Festival de Literatura da Emirates Airline em 2019 com o livro: “Pepa e Keca em Quem viu rimas por aí?”.
Atualmente cursa a pós-graduação “O livro para a Infância: processos de criação, circulação, mediação contemporâneos” na A Casa Tombada. É parceira do clube de assinatura de livros infantis, A Taba, nos Emirados.