A Finlândia é cheia de tradições que remetem a época da sua recente independência, em 1917, e que os finlandeses fazem questão de manter.
Penkkarit
Uma destas antigas tradições é o “Penkkarit”, que segnifica “dar férias aos estudantes do último ano do ensino médio”, considerada a “educação básica” para se prepararem para os exames nacionais finais. Estes alunos são chamados “arbiturientes”, e podem ficar em casa estudando até quatro semanas, dependendo da cidade onde moram.
Esta prova nacional é de grande importância para o aluno, facilitando ou dificultando o seu ingresso na universidade.
O evento é uma grande festividade que já vem anunciando outras festividades da chegada da primavera e do início do degelo. O último dia de aula acontece na primeira semana de fevereiro e, tradicionalmente, numa quinta-feira.
Até 1919, os exames para ingressar nos cursos universitários, o vestibular ou Enem finlandês, eram feitos nas próprias universidades. Após esta data, as escolas começaram a fazer os exames nacionais para facilitar o processo, principalmente para aqueles alunos que tinham que vir de outras cidades do interior para prestarem a prova na capital.
Em 1920, as escolas em âmbito nacional decidiram encerrar seu ano letivo para o terceiro ano no começo ou meados de fevereiro, e dar férias para os estudantes se prepararem para a prova nacional, que acontece em março. O nome em finlandês, “penkkarit”, significa banco, ou pausa da escola para ficar em casa, sentar e estudar.
O último dia de aula
Como manda a tradição, os estudantes celebram o final das aulas e a possibilidade de entrar na faculdade no último dia de aula, que sempre é numa quinta-feira, mas a data depende muito da região na Finlândia.
É uma espécie de carnaval, onde os estudantes se vestem de personagens, escolhem um tema em comum ou usam máscaras. É um dia de festa em toda a escola. Os estudantes fantasiados interrompem as aulas de outros professores fazendo piadas, cantando e jogando balas e doces para os outros alunos.
É uma das raras oportunidades de se ouvir música alta e bagunça nos corredores nas pacatas escolas finlandesas. A atmosfera de alegria contagia a todos e os estudantes menores sonham com o seu dia de “penkkarit”. Muitas vezes abraçam seus professores preferidos que desejam boa sorte nos exames ou dando “graças a Deus” que se livraram da escola!
Festas
Depois das festas e bagunças nas escolas, os estudantes saem para anunciar para toda a cidade que chegou a vez deles e que eles estão prestes a fazer os exames para entrar na vida acadêmica.
Os alunos de todas as escolas saem em caravana, em caminhões abertos e decorados pela cidade atirando balas para os transeuntes. Os caminhões levam o nome da escola, por vezes bandeiras, demonstrando um caráter de competitividade entre as escolas de ensino médio da região.
As escolas da cidade combinam uma hora comum, iniciando entre 12 ou 13h para começar a passeata, passando um caminhão atrás do outro com estudantes fantasiados tocando música e jogando doces para a calçada. É uma festa anunciada, é uma tradição antiga e os alunos das escolas e outras crianças e até adultos ficam nas calçadas já esperando os caminhões passarem para pegar as balas.
Por sua vez, os estudantes de pós-graduação desejam boas vindas aos futuros acadêmicos vestindo macacões coloridos da sua área. Algumas vezes pode haver alguma atividade em comum entre os arbi – calouros e os velhos alunos já graduados.
Como surgiu a tradição
A explicação desta exibição toda pela cidade está no fato de que quando a Finlândia, no início da sua independência, era um país pobre e desigual, somente os filhos de pais mais abastados poderiam se dar ao luxo de estudar e ter um futuro da universidade. As famílias pobres não tinham outra opção senão colocar seus filhos em escolas profissionalizantes para um rápido ingresso no mercado de trabalho, ou muitas vezes nem mesmo podiam estudar.
Desta maneira, se formar no ensino médio era sinal de status e diferenciação. Na cerimônia de formatura, os alunos ganhavam um chapéu branco que indicava que eram arbiturientes e desfilavam novamente no primeiro de maio, o VAPPU, bebendo champanhe e comemorando o seu status acadêmico.
Esta tradição do Vappu também continua até hoje e ainda dá aquela invejinha em quem não tem o chapéu. Sempre pensei: será que deveria comprar o meu?
Prova final
Depois da festa é a hora de sentar no banco, ou melhor na cadeira e estudar a matéria dos três anos para a prova final. As notas da prova final podem fazer com que o aluno entre direto na faculdade pretendida ou precise fazer ainda a prova da universidade. Os estudantes têm as disciplinas básicas obrigatórias, mas podem escolher as opcionais em que mais têm facilidade para aumentar a pontuação.
Perguntei a alguns alunos da minha escola o que eles acham da tradição do “penkkarit”. Todos responderam que é uma pausa muito importante para que eles possam se preparar para o exame final. Na opinião de muitos, isto demonstra um respeito pelo estudante, pelo ritmo e rotina de estudo de cada um.
Escolas internacionais
A Finlândia conta com muitas escolas internacionais, principalmente na área da capital e todas vão seguir a tradição do “penkkarit”. No entanto, por possuírem currículos internacionais com possíveis diferenças de carga horária, a data do teste nacional pode ser outra.
As escolas suecas aplicam o teste em sueco, segunda língua oficial do país. As escolas que possuem seu currículo em língua inglesa vão aplicar o IB (International Baccalaureate) ou EB (European Baccalaureate), significando que o teste tem aceitação em universidades internacionais.
A escola alemã, por exemplo, tem o seu próprio baccalaureate que também é aceito internacionalmente. Visto que a pretensão destes alunos são os cursos superiores fora da Finlândia, em universidades do exterior que tenham cursos em inglês. Muitos dos filhos dos expatriados estão neste tipo de escola.
Na escola em que eu trabalho, Escola Europeia de Helsinki, a maioria dos alunos são filhos de expatriados e prestam o EB. As provas do EB acontecem normalmente em junho. Os estudantes do terceiro ano frequentam a escola após o evento do “Penkkarit” com o intuito de revisar o conteúdo e tirar dúvidas com os seus professores. Estes terão também suas férias garantidas antes dos exames.
Resumindo, como uma das premissas do sistema de ensino finlandês é a igualdade, todos têm o direito às férias para poderem se preparar o melhor possível.
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Gaúcha, formada em Pedagogia e História no Brasil, pós graduada em psicopedagogia pela faculdade de Helsinki. Na Finlândia tem atuado como professora de português e consultora educacional. Atualmente trabalha na Escola Europeia de Helsinki. Administradora do site e canal Projeto Finlândia – Educação.