Em meu texto anterior, falei sobre a difícil decisão de morar fora do Brasil. Neste texto dou continuidade falando como foi a experiência de chegar no “mundo novo”.
Dia 7 de Maio de 2004, uma sexta-feira, antes do Dia das Mães, o primeiro longe deles. Gabriel tinha 8 anos e Raphael 5, e eu estava indo para o desconhecido, certamente sem idéia do que seria dali para frente. A culpa me consumia, apesar de saber que estava partindo pelos motivos mais justos, a fim de lhes dar qualidade de vida, conforto e segurança financeira.
Mas eu partia, também, para fazer parte de algo maior, de indiretamente, ajudar a combater o terror; mas, como mãe, eu sentia culpa!
Primeira Parada: Houston
Do Rio – o vôo era direto para Houston – fui chorando o trajeto todo. Antes de embarcar, pensei em desistir e voltar para casa. Mas, voltar como? Tinha saído do emprego, o apartamento tinha sido entregue, os meninos estavam com o pai… eu desistir, antes de tentar? Nunca! Essa não sou eu.
Cheguei sábado de manhã e fui direto para o hotel, pois no dia seguinte começaria meu treinamento.
Saí do Brasil com 150 dólares, documentos, fotos dos meninos e a lista da recruta, de itens essenciais nas malas (lembrando que não precisei nem da metade), e a esperança de que desse certo, mas tendo a certeza de que se desse errado, eu havia, ao menos, tentado!
Morar fora do Brasil: primeiro Dia de Treinamento
Apesar de eu ter saído do Brasil falando inglês, que eu julgava fluente, só fui entender que tinha muito que aprender quando comecei meu treinamento!
No primeiro dia de treinamento, era aplicado o famigerado e temido WABI Test (Work attitudes and behaviors inventory), para todos que iam para a guerra. O teste consistia de diversas perguntas, repetidas de maneira diferente, pelas consecutivas páginas da prova, e se suas respostas não fossem condizentes, você seria mandado para casa.
Na metade da minha prova, entra na sala uma senhora, com uma lista nas mãos, e chama meu nome: gelei! Aí ela me explicou, que como o inglês não era minha primeira língua, eu estava dispensada do teste! Ufa!
Passei duas semanas em testes e treinamentos intensivos em Houston. Eu já sabia que ia para Camp Anaconda, na cidade de Balad, ao norte de Bagdá.
Todos os dias, ao menos duas vezes por dia, eu ligava para meus filhos. Meus 150 dólares foram gastos em cartões telefônicos, pois comida e hospedagem eu tinha por conta da empresa.
Segunda Parada: Dubai
Saí de Houston dia 23 de Maio de 2004, a caminho de Dubai. Na mala, ia também, o Equipamento de Proteção Individual, que consistia de um colete à prova de balas que possuía 2 “pratos” de metal com 10 quilos cada um, um capacete e uma bolsa com uma roupa “de banana” para proteção contra armas químicas (iguais as dos filmes)
Foi minha primeira vez em Dubai. Ali, tínhamos que terminar o treinamento, que era aclimatizar com a temperatura escaldante e adaptar ao fuso horário do Oriente Médio. Depois dessa visita, fui mais 54 vezes para Dubai, antes de morar lá em 2012, pois era nosso hub para entrar e sair do Iraque.
Finalmente, Iraque!
Depois de uns dias em Dubai, fomos para o Iraque, em avião fretado pela empresa. Todos os assentos estavam ocupados e as malas foram na parte da frente, no lugar da primeira classe.
Começava ali a maior aventura da minha vida! Mal sabia o que me esperava, e o quanto aquela vivência mudaria minha vida, para sempre. Passei a ter outra visão do mundo, outra percepção do que realmente importa. Passei a prestar mais atenção às pequenas coisas e valorizar preciosos momentos com minha família.
Chegamos em Anaconda. Descendo do avião já tivemos o nosso primeiro desafio. Como não tinha ninguém para pegar as malas pesadas, cada um descarregava a sua e levava para o ônibus, que nos levaria ao lado civil da base, onde, até 2011, seria a minha casa.
No destino final, a equipe do RH faz a lista de chamada, e ao dizer meu nome, indica a tenda 8, foto acima. Ali, meu segundo desafio, eu a neta mimada da Dedé, nunca tinha acampado na vida.
Chorei muito na minha primeira noite, de cansaço, de saudade, de medo, de desconforto, mas não iria desistir.
Sete Anos na Guerra
Fiquei sete anos no Iraque. Cheguei sem saber nada do programa como Secretária, e saí como gerente e SME (Subject matter expert) da parte de logística e manutenção de equipamentos pesados.
Fui a primeira brasileira lá, outros tantos vieram depois, teve até uma época que éramos quatro brasileiros na mesma base. Felicidade total!
Durante esses sete anos, passei vários perrengues, conheci e trabalhei com pessoas do mundo todo, fiz amizades que duram até hoje, vi pessoas morrerem, senti medo e escapei da morte, diversas vezes; perdi amigos, ganhei um amor para a vida toda, conheci lugares que até então só havia ouvido falar na Bíblia; viajei para muitos países, e não me arrependo.
A única coisa que eu nunca deixei de fazer foi de me comunicar com minha família. À princípio eu tinha que caminhar 1km para usar o telefone, e só tinha 15 minutos para falar. Já no final, eu tinha o privilégio de ter um telefone na minha mesa, e outro no meu container.
E, ao me perguntarem se eu faria tudo novamente? Certamente que sim!
Meu nome é Luciana Barletta, mas meus amigos me chamam de Lu.
Estou fora do Brasil há 17 anos. Já morei no Iraque, Dubai e estamos nos EUA há 5 anos, sendo 2 anos em Delaware.
Sou natural de Paranaguá, no litoral do Paraná, mãe orgulhosa do Gabriel e Raphael, e avó babona do Davi e Benjamim;
Sou casada com o Shawn há 8 anos, mas estamos juntos há 13. Trabalho, gosto de fotografar paisagens, ler, cozinhar e de sair para caminhar com o Finn, meu cachorro, nas horas vagas.