“Vovô, eu tenho pérola de brinco”! Falou Carla, minha filha de oito anos, meio atrapalhada, com o seu sotaque de gringa, querendo fazer bonito, durante uma atividade à distância, a leitura de um livro infantil, que o avô fazia para ela virtualmente por Skype.
A historinha falava de uma certa sereia, que tinha um colar de pérolas e morava num reino encantado das águas, com sua família e muitos amigos, peixes, cavalos-marinho e por aí vai.
Carla, acompanhava atenta a cada palavra, e foi logo mostrando, através da tela o brinco de pérola na sua orelha, queria ser sereia também. Fantasiava sua longa cauda dourada, passeando no meio de peixinhos coloridos, a caminho do encantamento, das casas de bonecas feitas pelas sereias.
A distância se desfaz
A distância quilométrica, que ali se desfazia, pois os dois se divertiam e riam. Ele no Brasil, e ela na terra das tâmaras: Emirados Árabes Unidos.
Durante essa chamada virtual, certamente o tempo congelava ler ou ouvir aquela narrativa era a coisa mais importante do mundo para os dois. A neta expatriada chegava mais perto da casa do vovô pela sonoridade daquelas palavras, ora bate-papo, ora só a voz do contador.
Meu sogro, todo animado, lia e acima de tudo explicava com toda a paciência alguns significados de palavras. Já que a neta perguntava por não ter sido alfabetizada em português: “O que era mesmo uma pérola?”
Ou curiosidades ainda não compreendidas: “As sereias dormem, vovô?”. As dúvidas eram muitas na sua cabecinha de menina curiosa, mas o avô estava sempre pronto com uma resposta.
Um aconchego virtual
Os minutos passavam, sem contar e o meu sogro manobrava em ler aquelas linhas com entonação de um contador fiel, alterava ou diminua a voz de acordo com a fala de cada personagem.
Do lado de lá, durante a atividade à distância, tudo acontecia através da pequena tela do seu celular. Enquanto virava a tela, também virava cada página do livro, mostrando as ilustrações para enfeitar mais ainda o enredo, a neta expatriada se animava.
Por outro lado, aqui, Carla permanecia quieta, com as mãos apoiando o seu queixo, escutava cada nova imagem que se formava na sua imaginação, vinda daquele mundo mágico debaixo d’água, pela voz firme e empolgada do vovô. Seus olhinhos negros reluziam de tanto contentamento, pois através daquela nova experiência – sentia um certo aconchego virtual.
Atravessando o Atlântico
Terminada a leitura, já eram quase nove da noite, Carla subiu para o seu quarto bocejando, foi para a cama, se cobriu. Pegou o seu travesseiro de coruja e, fechando os olhos, com ela a resposta, se a sereia dormia ou não.
Atravessando o oceano Atlântico, o vovô seguia sozinho, em seu apartamento — lá ainda era dia — e, ele deveria ter voltado para seu sofá, ligado a televisão , respirando profundamente.
Logo depois, um sorriso largo deve ter se aberto no seu coração, naquela tarde de quarentena que, por alguns minutos, fora esquecida na sua cidade de clima seco, e de flamboyants floridas, no meio no cerrado brasileiro: Goiânia.
Atividade à distância: dicas de onde comprar livros infantis on-line
(Eu, a mãe expatriada, morando em Dubai, durante essa pandemia tomei a iniciativa de comprar vários livros infantis pela a internet e enviá-los para a casa desse estimado vovô. Hoje virou um contador de histórias virtual, não só para a minha filha que mora no exterior mas para os outros netos no Brasil).
- Livrarias: Saraiva & Cultura.
- Clubes de assinatura de livro infantil: A Taba, Quindim, Brinque-Book e Leiturinha.
- Outros sites: Amazon Brasil & Estante Virtual.
“Se não temos asas, temos palavras, para arrumar o caos em camadas de azul e desejos.” Roseana Murray
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Passou pelo Canadá e Bahrein antes de firmar residência em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Escreve também literatura infantil, haicais e contos. É autora do “O Jardim da Lua” (finalista do Prêmio Jabuti 2022 na categoria ilustração) da editora Tigrito.
“Sarah & The Pink Dolphin” é seu primeiro livro bilíngue (inglês e árabe) publicado pela Nour Publishing.
Participou do Festival de Literatura da Emirates Airline em 2019 com o livro: “Pepa e Keca em Quem viu rimas por aí?”.
Atualmente cursa a pós-graduação “O livro para a Infância: processos de criação, circulação, mediação contemporâneos” na A Casa Tombada. É parceira do clube de assinatura de livros infantis, A Taba, nos Emirados.