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Morar fora: início de um sonho. Será?

Última atualização do post:

Morar fora

Precisei de um tempo maior para elaborar esse post, mais do que todos os outros. Dividi em partes e fui escrevendo com o passar dos dias. Não quero escrever só sobre a parte legal e cheia de conquistas que essas experiências de morar fora me renderam até agora. Acho importante falar sobre os bastidores da vida de expatriada também.

Meu primeiro trabalho na Alemanha

Após ter sido Au pair na Alemanha e na Áustria, finalmente consegui ingressar no mercado de trabalho na Alemanha. Faltava segurança no idioma alemão, mas sobrava disposição para aprender algo novo. De repente, eu estava a fazer algo que provavelmente jamais faria no Brasil: ser vendedora de alimentos, com especialização em carnes e derivados.

Eu trabalhei na loja de um grande açougue no sul da Alemanha e, vou contar pra vocês, um pouquinho sobre essa experiência que durou três anos. Eu fiz um teste de três dias na empresa, antes de decidir. Não foi fácil, mas, eu optei por aceitar.

Assinei contrato de trabalho com a empresa, como estagiária e com a escola, onde eu fiz o curso técnico. Nesse sistema dual (Duale Ausbildung), trabalhamos 20% na empresa e estudamos 80% do tempo. O contrato tem duração de 3 anos, mas, o tempo pode ser reduzido conforme nossa média e se ambas as partes concordarem. Eu pensei em desistir diversas vezes porque é muito puxado, mas, fui até o final.

Como era a rotina?

Trabalhar em pé o dia inteiro, correr para lá e para cá atendendo aos pedidos dos clientes. Ajudar os colegas de trabalho, repor mercadorias, preparar alimentos pra venda, manter a limpeza e limpar até o teto se fosse necessário. Lavar as mãos mil vezes por dia (leve exagero aí), entrar e sair das câmaras frias (depósito de carnes, queijos e derivados).

Falar o dia inteiro, pagar micos na frente de todos e seguir o barco como se nada tivesse acontecido. Errar na pronúncia, ser corrigida, ser zoada ou humilhada. Nós guardamos a frustração no bolso ou estouramos, dependendo do dia. E assim, vai ficando cada vez mais pesado viver a vida que escolhemos.

Desabafar com quem nos entende

Bom que eu morava numa casa compartilhada com outras brasileiras, que trabalhavam na mesma empresa, em filiais diferentes. Poder desabafar com elas, era libertador! Já que passávamos por situações parecidas.

Chega a ser até engraçado, de tão horrível que é trabalhar desse jeito. Não eram todos os dias ruins, mas, no início foi mais pesado. Eu levava muitas coisas para o lado pessoal, principalmente por ser estrangeira, até que eu percebi que era assim com todos daquela loja.

Guerra por um pouco de comida

Nos dias de maior movimento, eu sentia-me no meio de uma guerra literalmente. Me desviava das colegas, das facas, dos garfos e das linguiças. Era cara feia e fechada para tudo que é lado, inclusive a minha. Trabalhar sob pressão não me faz bem, aliás, acho que não faz bem pra ninguém.

O corpo dói, principalmente a coluna, o tronco e os pés. Era certo que eu voltaria suja para casa, como se eu tivesse limpado algo com o meu uniforme. Eu não tinha problema em trabalhar assim. É um emprego digno e correto, legalmente falando. Mas, precisa ter nervos de aço pra conseguir driblar esse estresse todo.

O “glamour” da Europa que eu vivi

Cheiro de salame e defumado impregnava no cabelo e no nariz, as minhas unhas ficavam acabadas, igual a minha cara cheia de olheiras. Eu nunca descansava o suficiente pra me recompor. Coitada daquela tia, que ainda acredita que fiquei rica na Europa. Luxo era poder chegar em casa, tomar banho, colocar os pés para cima e ter horário certo pra comer com calma.

Eu esquecia até de beber água e ir ao banheiro. Todos os dias, descobria um novo roxo na minha pele, quando não era uma bolha de água por ter-me queimado no forno, um furo qualquer ou um corte. Chegavam certos momentos, em que o meu cérebro travava e nem português eu conseguia falar direito.

Respirar fundo, conversar um pouquinho com as colegas, beliscar um doce ou chocolate e continuar. A minha vontade era de chorar e ir embora. Eu pensava comigo: vale a pena mesmo trocar uma vida e estabilidade no Brasil, pra viver assim no exterior? Você deve ter se perguntado a mesma coisa.

Trabalhar sob pressão num idioma estrangeiro

Antes da pandemia, já era complicado: nós tentávamos atender os clientes o mais rápido que podíamos, para conseguir vender mais e aumentar o faturamento do dia. Durante a pandemia, ficou tudo mais difícil. As pessoas berram pra conseguir se entender, vendedoras sofrem o dia inteiro nessas condições e alguns clientes ficam irritados no meio disso tudo. E assim, o ambiente de trabalho vira um campo minado.

Brigas no ambiente de trabalho

Uma vez, uma colega de trabalho estava de mau-humor e gritou comigo, apontando uma faca de açougueiro para mim. Não lembro o que ela disse no dialeto em alemão, porque me preocupei mais com a faca. Quando ela se acalmou, ainda brinquei: “você me dá medo, podia pelo menos soltar a faca”. Ela sorriu sem jeito, tentando se explicar.

Parece piada, mas não é. E isso não aconteceu apenas uma vez. Com o tempo, nós vamos conhecendo melhor as pessoas, impondo limites pra certas situações e ignorando outras coisas. Afinal, muitas pessoas dependem do visto, do trabalho e do estudo pra poder viver no exterior.

Não pense que é só trocar de emprego quando as coisas ficam difíceis, como estamos acostumados no Brasil. Para alguém sem passaporte europeu como eu, o caminho é mais longo e toda a nossa trajetória fica registrada num tipo de “dossiê”, no escritório de imigração. Ou seja, tudo é analisado pra ver se você merece ou não uma nova permissão de residência.

Discutir no ambiente de trabalho é normal, mas, temos que ver até onde esse “normal” é saudável para nós. Dominar o idioma e conhecer nossos direitos, fazem toda diferença para conseguirmos nos posicionar diante das situações. Ser estrangeira, já nos coloca, automaticamente numa situação de vulnerabilidade e fragilidade.

Existem milhares de brasileiras(os) passando por situações parecidas, que, se não forem olhadas com a devida atenção, acabam virando traumas e cicatrizes profundas. Temos que tomar um cuidado maior com o que consideramos normal nessa vida fora do Brasil, para o sonho não virar pesadelo. Minha vida tomou outros rumos, e foi depois dessa experiência que eu me mudei pra Áustria. Porém, essa parte eu contarei um outro post.

Mas artigos da autora aqui

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Daniane Bandoch

Nasci em Blumenau, Santa Catarina. Sol bacharel em Administração de Empresas com ênfase em Recursos Humanos pela UNIASSELVI. Depois de oito anos trabalhando em área administrativa, resolvi me reinventar e troquei as paredes dos escritórios por uma aventura-sem-fim: vida de expatriada. Eu vim sozinha para a Europa em 2016 como Au Pair, sem falar muito bem alemão e sem saber bem o que estava por vir. Eu moro atualmente na Áustria, depois de 3,5 anos na Alemanha. Adoro cozinhar, escrever, estar em contato com a natureza, conversar sobre temas variados e profundos.

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