Sou uma expatriada que deixou de trabalhar quando fez o processo de imigração. E acredito que assim como eu, outras mulheres deixam suas profissões ao chegarem em outro país. Algumas delas o fazem por opção e outras porque, de alguma forma, se veem impossibilitadas de continuarem suas carreiras.
As razões são as mais diversas, como por exemplo: o tipo de visto, carreiras inviáveis no novo país de residência, mercado de trabalho, o não domínio da nova língua, condições de trabalho, necessidade de revalidar o diploma, curto período de permanência no país, falta de rede de apoio, entre outros.
Há dez anos, me mudei do Brasil com minha bebê de 3 meses e meu filho com 4 anos. Deixei meu sonhado consultório odontológico e meus pacientes para trás. Foram muitos anos de vida investidos nessa profissão. Todavia, sabia que haveria ganhos para toda a família ao aceitarmos a expatriação. Portanto, várias situações acima se aplicam em meu caso.
Chegar a um país novo traz uma carga emocional muito grande. Deixar a carreira conquistada aciona em nós vários botões sobre nossa identidade e, sem dúvida, desencadeia várias emoções. Porém, esse mesmo momento pode ser também tempo oportuno para o autocuidado, aprendizado e crescimento.
Revendo conceitos
O primeiro tópico que vem à minha cabeça ao escrever é a necessidade de refletir sobre nossas opiniões e conceitos. Nos mudamos com bagagens materiais, emocionais e culturais. Nesta mochila pesada se encontram conceitos sobre sucesso, papel da mulher na sociedade e muitos outros assuntos. Quanto mais vasculhamos o que trazemos conosco, mais itens empoeirados encontramos.
Mudança é recomeço. Assim sendo, para nos mudarmos de país, listamos o que deveríamos levar conosco e o que deveríamos deixar para trás. Não seria então o momento ideal para rever ideias e conceitos? Que linda oportunidade de autoconhecimento! Descobrir nossas próprias respostas a tantas velhas questões. Tempo de oportunidades!
Que tal responder com suas palavras o que é sucesso? E qualidade de vida? E, da mesma forma, o que é felicidade?
O tempo e suas oportunidades
Existem várias etapas na mudança. O simples fato de não trabalhar fora de casa não significa necessariamente ter mais tempo, pois a adaptação consome muita energia e incontáveis horas. E se surgirem momentos de calmaria no meio da correria, podemos explorar as oportunidades que o não trabalhar fora proporciona.
No caso de falta de tempo, vale verificar se estamos nos dando a atenção merecida. Quando cuidamos de nós mesmas, cuidamos de todos à nossa volta.
Oportunidades na Rotina
O tempo bem utilizado pode contribuir para a saída do piloto automático e para voltarmos a atenção aos detalhes do dia a dia. Reavaliar hábitos, nutrir o que nos faz bem e eliminar o que já não está mais alinhado à nossa nova vida. Principalmente porque podemos ter ganhado uma carga extra de responsabilidades nos cuidados da casa após a mudança.
Por exemplo, fiz pequenas alterações na rotina, como retirar os sapatos antes de entrar em casa e parar de passar as roupas. Detalhes fazem a diferença e otimizar o tempo com as atividades domésticas nos ajuda a encontrar tempo para outras prioridades.
Tempo para maternar
Antes de mais nada, com mais tempo é possível cuidar de quem se ama com atenção e presença extra. Diferentes etapas de desenvolvimento da criança exigem níveis diferentes de envolvimento entre quem cuida e quem é cuidado. Mas lembre-se de que tempo e qualidade não são variáveis diretamente proporcionais.
Tempo para o autocuidado
No autocuidado podemos incluir as atividades físicas, a leitura, os rituais de beleza, meditação, as amizades, atenção à alimentação e tudo o que traga bem estar. Ou seja, uma caminhada ao ar livre, escutar as músicas favoritas, ler um bom livro, ligar para quem sentimos saudades, são alguns dos presentes que podemos nos dar.
Em um dos países em que morei participei de um grupo de corrida de mulheres. Como resultado, encontrei vários benefícios! Não corria há muitos anos. O grupo me possibilitou quebrar a crença de que eu não era capaz para aquele esporte e, além de fazer amigas, pude investir em minha saúde. Assim, em meses, saí da postura de não corredora até concluir uma meia maratona.
Tempo para a educação
E que tal utilizar o tempo para investir em educação? Morar em um novo país já é por si só um grande aprendizado. O investimento em conhecimento pode abrir portas no contexto pessoal e profissional.
Os cursos podem ser presenciais ou virtuais. Por exemplo: aulas de línguas, grupos de conversação, cursos de pintura, cerâmica, aprender sobre história da arte, sobre a cultura e história locais, participar de atividades da comunidade, da biblioteca local e da escola dos filhos, aperfeiçoamento e especialização profissional em sua área, cursos de culinária, jardinagem, oficinas de escrita, visitas a museus e monumentos, cursos de empreendedorismo, de autodefesa e muito mais.
São inúmeras as possibilidades. Sendo assim, abrace a oportunidade de explorar outras facetas que te compõem ao tentar algo novo e aprender mais e mais.
Em outra oportunidade de expatriação, pela primeira vez, meus dois filhos já iam para a escola. Então o tempo para mim trouxe a oportunidade para muitas descobertas, entre elas: ballet, yoga e cerâmica.
Tempo para ação
Contribuir com um outro alguém é gratificante. Nos sentimos úteis e pertencentes. O voluntariado traz benefícios para todos os envolvidos: comunidade, entidade, causa e você mesma. Assim, o trabalho voluntário pode ser ferramenta de integração, de aprendizados, conexões e ganho de senso de dever cumprido. Sua disponibilidade e desejo ditarão o quanto poderá se comprometer e se envolver.
Suas experiências anteriores podem ser uma grata contribuição. São muitos os grupos de apoio que precisam de ajuda, inclusive grupos de mulheres brasileiras.
Hoje contribuo através da escrita e participo de um grupo de enfrentamento a violência de gênero.
Não se esqueça da sua família
Queria lembrar que cuidar do bem estar da família é tão importante quanto realizar um trabalho remunerado fora de casa. Assim, o sucesso do integrante da família que possui um trabalho remunerado depende do trabalho daquele que se ocupa do trabalho doméstico. Juntos formam uma equipe!
Não se pressione em estar o tempo todo ocupada e de se sentir útil. Somos vítimas de tantas ideologias. Então, se conheça e se permita – somos multipotenciais. A reflexão sobre nossa adequação e nosso valor deve ir além da cobrança social. Este e só mais um dos dilemas de uma expatriada.
Por isso façamos bom uso das oportunidades que o tempo nos dá!
P.S.: Meus momentos de calmaria frutificaram inclusive na autoria de um livro que nunca esteve em meus planos. Surpresas escondidas nas oportunidades concedidas pelo tempo.
Meu nome é Valéria Macedo. Sou uma geminiana que ama aprender. Já fui analista de sistemas, cirurgiã-dentista e hoje estou escritora. Expatriada desde 2013. Morei em Miami, Paris, Londres e hoje estou em Washington DC. Sou apaixonada por natureza, yoga e a aprender e me reinventar. Tenho dois filhos, o Tom e a Maitê.
Escrevi o livro “Os olhos claros do pássaro”. Nele narro minhas experiências como expatriada e como cada lugar em que fiz morada me ofereceu respostas sobre quem sou.
O meu instagram é @valeriamacedoescrita. Em meu perfil partilho reflexões e imagens da minha história que é a história de tantas de nós. Obrigada!
Uma resposta
Parabéns!! Sempre abordando com delicadeza os diferentes assuntos.Ressalto a importância de rever velhos conceitos, como o da mulher que escolhe abrir mão de praticar uma profissão e dedicar-se a família.