Acho que a primeira coisa que vem à nossa mente quando conhecemos uma criança bilíngue é: “Uau! Ela fala duas línguas, consegue se comunicar tão bem com tanta gente!” Mas as vantagens do bilinguismo vão muito além do domínio da língua e envolve elementos que a gente nem imagina.
Vamos conhecer alguns deles no post de hoje?
Os benefícios do bilinguismo sempre foram reconhecidos?
Para começo de conversa acho importante mencionar que o bilinguismo nem sempre foi visto como algo positivo. Pois, segundo o autor e pesquisador Baker (2006:144), do começo do século XIX, até aproximadamente os anos de 1960, a crença dominante entre acadêmicos, era a de que o bilinguismo tinha um efeito prejudicial ao pensamento.
Os estudiosos argumentavam que saber mais de uma língua certamente provocaria uma sobrecarga mental, e isso causaria vários efeitos negativos. (Para mais ideias erradas e esclarecimentos sobre o bilinguismo, vale a pena acessar: https://meumundoem2mundos.com/2019/12/17/serie-nova-de-posts-mitos-sobre-o-bilinguismo-%e2%9d%8c/ ). Dessa forma, foi só a partir da década de 1960 que esse mito foi quebrado e os diversos benefícios do bilinguismo começaram a ser comprovados cientificamente.
Os tipo de bilinguismo
Mas, antes de apresentar alguns dos principais benefícios do bilinguismo, acho importante falar um pouco sobre a diferença entre os dois tipos mais frequentes de indivíduos bilíngues. Vários estudiosos se dedicaram a essa distinção e como resultado alguns dos termos identificados são: bilíngues compostos e bilíngues coordenados (Hammers & Blanc, 2000), bilinguismo simultâneo e bilinguismo consecutivo (Hammers & Blanc, 2000), early bilinguals e late bilinguals (Kim et. al., 1997). Certamente, os termos mais adequados talvez sejam os propostos por García (2009): childhood bilinguals e emerging bilinguals. Childhood bilinguals, são aqueles que têm contato com duas línguas desde o nascimento ou, pelo menos, começam a ter ainda na infância, e emerging bilinguals, são aqueles que desenvolvem o bilinguismo posteriormente. Esses dois tipos de bilinguismo possuem semelhanças quanto aos seus benefícios. No post de hoje, vou falar mais especificamente sobre o caso dos childhood bilinguals. Então vamos lá?
Vantagens cognitivas, sociais e culturais
Por outro lado, um dos benefícios mais interessantes do bilinguismo está no sistema cognitivo. Já em 1974, o estudioso Carringer afirmava que uma das grandes diferenças entre monolíngues e bilíngues está no fato de esses últimos possuírem duas representações mentais para cada coisa existente no mundo. Portanto, para cada objeto, cada ser, cada sentimento, o bilíngue possui duas palavras, uma em cada língua, para representá-lo. Esse “simples” fato tem como efeito, entre outros, uma maior flexibilidade cognitiva.
Além disso, outras vantagens são observadas nos campos social e comunicativo. Sendo, constantemente, obrigados a procurar por soluções, para poderem se comunicar em uma ou na outra língua, os bilíngues tornam-se interlocutores flexíveis e criativos. Afinal, cada língua tem seus próprios sistemas e estruturas e o indivíduo bilíngue teve de aprender a “se virar” nas duas.
Mundos diferentes
Da mesma forma, é preciso lembrar ainda, que cada língua envolve uma cultura e uma identidade diferente. Uma língua, não envolve apenas elementos linguísticos. Pois, ela só existe em conjunto com elementos culturais e identitários. Assim, ao adquirir duas línguas, são dois mundos de possibilidades que se abrem. Dois mundos repletos de diferentes componentes culturais, diferentes traços identitários, diferentes cores, sons, sabores, e texturas.
As vantagens do bilinguismo vão, então, muito além da capacidade de se comunicar em duas línguas. Em suma, saber mais de uma língua, é ter a chave de acesso a outro mundo. É ter diante de si dois mundos prontos para serem explorados.
BAKER, C. Foundations of Bilingual Education and Bilingualism. Bilingual Education and Bilingualism: 54. Tonawanda, NY: Multiligual Matters, 2006.
CARRINGER, D. Creative thinking abilities of a Mexican youth. The relationship of bilingualism. In: Journal of Cross-Cultural Psychology, 1974. (p. 492-505).
GARCÍA, O. Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective. Chischester: Blackwell, 2009.
HAMMERS, J. & BLANC, M. Bilinguality and Bilingualism. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
KIM, K., RELKIN, N., LEE, K. et al. Distinct cortical areas associated with native and second languages. Nature 388, 1997. (p.171–174)
Linguista, pesquisadora e professora, Priscilla é apaixonada por línguas, livros e não dispensa um bom café. Concluiu seu doutorado em 2019 e mora, desde 2018, em Zurique com o marido, o “culpado” por sua mudança para a Suíça. Adora escrever sobre bilinguismo, questões identitárias e diferenças culturais. Crianças, cachorros e pinguins são algumas de suas outras paixões.