Apesar do Peru ser reconhecido mundialmente pela sua rica gastronomia, confesso que eu não conhecia quase nada dessa culinária antes de vir morar em Lima. Esse quase é apenas porque eu tinha incorporado nas minhas refeições a quinoa, um grão andino super nutritivo e bem fácil de preparar. E só. Ainda em São Paulo, experimentamos alguns restaurantes peruanos antes da nossa mudança para cá, mas não se compara a provar os pratos típicos in loco, claro!
Mesmo assim, há muitas sutilezas sobre a alimentação peruana que podem passar desapercebidas por quem está só de passagem por aqui. Perceber os hábitos sociais e culturais leva algum tempo, muitas idas aos mercados e restaurantes e ainda convivência com os moradores. Hoje compartilho com vocês algumas das minhas descobertas mais curiosas sobre a comida peruana no dia a dia.
1. Ceviche de noite, não!
Não podia começar essa lista com um dos pratos mais emblemáticos do Peru (e mais polêmico também, já que há controvérsias com outros países latino-americanos a respeito da origem da receita). A versão mais tradicional do ceviche peruano é feita de cubos de peixe branco cru, marinados em limão, cebola, coentro, sal e ají, uma pimenta local. Há uma crença muito forte, principalmente entre os mais velhos, de que comer ceviche à noite faz mal. Isso porque o peixe supostamente já não estaria tão fresco como de manhã e faria mal ao estômago. Se essa lógica fosse verdadeira, não se comeria sushis e sashimis à noite também, né? Eu já comi tanto no almoço quanto no jantar e só tenho uma coisa a dizer: não deixe de experimentar o ceviche peruano quando estiver por aqui, em qualquer horário. É delicioso!
2. Abacate em tudo
O Peru é um dos maiores exportadores mundiais de abacate, que aqui é conhecido como palta. Por ser nutritivo e fácil de encontrar, é muito comum vê-lo presente em todo o tipo de prato que você possa imaginar: no café da manhã, na salada, nos sanduíches, como acompanhamento de pratos principais e, pasmem, na pizza. Até nos makis, aqueles enrolados de arroz da culinária japonesa que aqui ganham os mais diferentes recheios, sempre vem acompanhados da tal da palta.
Como não sou muito fã de abacate, essa foi uma das primeiras coisas que me chamaram a atenção quando cheguei, mas quem gosta vai se esbaldar por aqui!
3. Batata para todos os gostos
O Peru é considerado o principal produtor de batatas na América Latina. E não é de um tipo só, não. São mais de 4 mil variedades que já foram catalogadas no país. Claro que nem todas elas estão nos supermercados e restaurantes, mas ainda assim se encontra uma boa variedade. Entre as batatas, há algumas melhores para purês e outras para guisados, dependendo do tempo necessário para cozinhar e da sua textura quando cozida. Há também o camote, que é a batata-doce daqui, alaranjada, e que costuma vir acompanhando o ceviche (vide foto do item 1). Por isso, tem sim muitos pratos à base de batata, entre eles destaco a causa limeña (típico de Lima) e a papa a la huancaína (típico de Huancayo).
4. Paixão por frango assado
Apesar de ter uma gastronomia tão rica e por vezes exótica, foi interessante descobrir que o tradicional frango assado que eu conhecia bem dos meus almoços de domingo em família é também um prato muito querido pelos peruanos. Difundido no país por um suíço na década de 1950, o pollo a la brasa – como é conhecido aqui – foi declarado Patrimônio Cultural da Nação em 2004, tamanha a importância desse prato no país. Assim, ao invés de hamburguer ou pizza, aqui muita gente prefere sair para comer em uma das 13 mil pollerías espalhadas no país. Esses restaurantes são especializados em servir frango assado (pollo = frango, daí o nome). Lá, você pode pedir um frango inteiro, ½ ou ¼ de frango com batatas fritas, salada e molhos, que são os acompanhamentos mais comuns. Esse é um prato muito acessível e democrático, pois além de barato, pode alimentar toda a família.
5. Açúcar, muito açúcar
Me chamou a atenção como pães, biscoitos e massas de pizza “salgados” em geral são adocicados. Há exceções, mas são raras.
Essa diferença no sabor salgado me deixou tão intrigada que comparei a lista de ingredientes de uma marca de pão tipo tortilha que está presente no Brasil e no Peru. Surpresa: a versão brasileira não tem açúcar adicionado, enquanto na versão peruana é o 3º item da lista, o que significa que é o 3º ingrediente em maior quantidade na receita.
Além disso, as empanadas – espécie de pastel assado com recheio de carne, frango ou legumes – costumam ser servidas com açúcar de confeiteiro polvilhado por cima. Eu estranhei bastante nas primeiras vezes, mas acabei acostumando.
Por fim, não dá para falar de açúcar sem falar de sobremesas, né? Dois deleites bem conhecidos são o bolo de tres leches (feito com leite condensado, creme de leite e “leite evaporado” – um leite mais concentrado) e o suspiro limeño (uma camada de creme tipo doce de leite, coberta por uma camada de merengue aromatizado com vinho do Porto). Não tem como ser ruim, né?
A verdade é que a cozinha peruana tem muitas nuances e há muito mais para contar. Se você tem alguma curiosidade sobre o Peru, deixe aqui nos comentários que eu conto mais nos próximos artigos.
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Nascida e criada em São Paulo dentro de uma família portuguesa, minha curiosidade me levou a viajar por muitos cantos do mundo. Só não sabia que em 2020 faria minha viagem mais transformadora: trocar as referências conhecidas no meio da pandemia de Covid-19 por uma nova vida em Lima, no Peru. Te convido a embarcar comigo nessa jornada de descoberta e autoconhecimento por esse país de belezas e contrastes.
Respostas de 3
Nossa, que interessante! Não tinha ideia (nem mesmo da quinoa 😅). E ainda achei mais surpreendente de perceber algumas similaridades com a gastronomia portuguesa – como a quantidade de tipos de batata, o uso do vinho do Porto em uma sobremesa local e até a história do frango, que aqui em Portugal é o “frango no churrasco”. Adorei o artigo! 💛😋 Falar de comida é sempre sucesso!
Adorei saber! As referências culinárias se cruzam pelo mundo! 🙂