Quando eu disse ao life couch que meu sonho era ser escritora, nem eu mesma acreditei naquilo que estava ouvindo. Eu sempre fui “rato de biblioteca” e, por consequência, a escrita é algo natural para mim. Mas, entre escrever redações e publicar um livro existe uma grande distância. Bom, existia. A coletânea Mulheres Extraordinárias, lançada pela Editora Anjo em novembro de 2020, foi só o começo.
Assim como na “jornada do herói” existe um chamado, uma recusa, medos, testes, aliados e inimigos, provações e recompensas, esse começo demorou mais de dois anos para acontecer. E só foi possível após o enfrentamento da Grande Provação, como eu passei a chamar a perda do meu marido em solo estrangeiro, em 2018.
Nos casamos em 2005, mesmo ano em que nosso filho nasceu. Resolvemos tentar a vida na Inglaterra em 2016. Dois anos depois ele teve um ataque cardíaco fulminante em casa. Tinha apenas 43 anos, e muitos planos.
Meu sonho de ser escritora foi adiado. Me tornei uma expatriada de luto que, antes de tudo, precisava recomeçar a vida. Mas como?
Escreva com o coração
Viver o luto longe da família, mesmo que cercada de amigos, me ensinou duas coisas: o luto é solitário, e egoísta. Você se sente sozinha, abandonada, deixada para trás, perdida. E não há nada de errado com isso. Pensamentos altruístas durante este período serão raros, porque tudo que você deseja é ter a SUA vida de volta, do jeito que ela era antes de ele ter lhe deixado.
Uma forma que eu encontrei de amenizar a solidão, e purgar o egoísmo, foi praticar a escrita terapêutica. Escrever cartas para para o meu falecido marido me ajudou a seguir em frente. No início as cartas eram diárias e cheias de raiva. Mas com o tempo foram se tornando mais espaçadas e generosas. Um dia, finalmente, me peguei contando para ele as coisas boas que estavam acontecendo na minha vida. Foi a última carta que escrevi.
Cora Coralina dizia que: “Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é abençoar uma vida que não foi abençoada”.
Quando lancei minhas dores e meus medos no papel, dei forma àquilo que até então era impalpável, apesar de real. O processo de escrita criou uma linha invisível que saía da minha mente (lembranças), passava pelo meu coração (sentimento) e chegava às pontas dos meus dedos, realizando uma catarse que me curava aos poucos. E é o resultado dessa escrita que Cora Coralina tão bem define como benção, pois, inconscientemente, quando olhei para minha história como leitora e não mais como protagonista, consegui enxergar, analisar, entender e julgar os fatos com outros olhos. Sem lágrimas nem dor, mas cheia de gratidão e esperança.
A paciência do papel
No Diário de Anne Frank encontrei uma explicação para esse processo, quando ela afirma que “o papel tem mais paciência que as pessoas”. As vezes você só quer falar, colocar para fora, esvaziar seu coração. Mas as pessoas se sentem na obrigação de te consolar, mesmo sabendo que não podem mudar o que aconteceu. Então, se você quer um ouvinte que vai respeitar o seu tempo, compre um caderno e uma caneta.
Incentivada pelo resultado positivo do exercício involuntário com as cartas, eu comecei a pesquisar outras formas de autoconhecimento, terapia e relaxamento que envolvessem a escrita. Foi assim que descobri a Escrita Terapêutica.
A Escrita Terapêutica foi criada pelo professor de filosofia da Universidade do Texas e escritor Doutor James W. Pennebaker. Suas pesquisas comprovaram os benefícios da Escrita Terapêutica tanto na saúde mental quanto na física, uma vez que protege o corpo contra os danos causados pelo estresse. No livro “Escrita Terapêutica: Palavras que Curam”, Pennebaker explica por que escrever pode ajudar mais do que falar quando lidamos com um trauma.
E a morte, apesar de natural e inevitável, é um dos maiores traumas que o ser humano enfrenta. Baseada em minha própria e bem sucedida experiência, direcionei minha pesquisa para ajudar expatriadas de luto através da Escrita Terapêutica.
Como escrever para aliviar
Mas, como a Escrita Terapêutica pode ajudar as expatriadas de luto? Seguindo o método criado pelo Doutor Pennebaker, que apesar de simples, é muito eficaz. Para começar, basta seguir as dicas abaixo:
1. Escreva no mínimo 20 minutos por dia durante quatro dias consecutivos;
2. Escolha assuntos extremamente pessoais e importantes para você;
3. Não pare para pensar sobre o que vai escrever ou ler o que já escreveu. Também não se preocupe com pontuação, ortografia e gramática. Se você não tiver o que dizer, desenhe uma linha ou repita o que já escreveu durante os 20 minutos.
4. Você está escrevendo para para si mesmo, e pode destruir ou ocultar o que escreveu. Mas, se sentir necessidade de compartilhar, faça sem receio.
Ao fim dos quatro primeiros dias, é bem provável que você sinta a necessidade de continuar escrevendo. Você pode, então, repetir o exercício (20 minutos diários durante quatro dias), ou escolher entre as diversas formas de Escrita Terapêutica existentes: diários, listas, cartas, anotações, poesias, redes sociais, blogs etc.
Eu sou adepta das cartas (para pessoas vivas ou não, para Deus, para o meu eu do passado ou do futuro). E você, qual tipo de Escrita Terapêutica vai praticar?
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Sou paranaense, expatriada em Londres desde 2016. Bahcarel em Turismo por formacão, administradora de profissão e escritora por amor. Apaixonada por livros, viagens, fotografia, artesanato, jardinagem e camping. Mãe orgulhosa de um adolescente e namorada de um verdadeiro lord inglês, com quem estou descobrindo a ilha da Rainha. Para acompanhar minhas aventuras pela Inglaterra me sigam no Instagram.
Respostas de 3
Oi Bel, eu tbem amo escrever, colocar no papel aquilo de mtas vezes não tenho coragem de expressar verbalmente. Sou adepta das cartas, anotações, listas e tbem amo presentear as pessoas com cartões. Um abraço 💙