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Empacotar a casa para dizer até logo!

Última atualização do post:

empacotar a casa
Um último brinde antes de empacotar a casa - Imagem: Arquivo Pessoal

Foram muitas as vezes que precisei empacotar a casa para dizer até logo. Decerto perdi as contas de quantas já morei entre um bairro e outro no Rio de Janeiro. Mas da última vez foi diferente. Talvez pela minha idade, talvez pelos filhos que agora tenho, pelos amigos que agarrei. Pela distância que não permitiu um simples até logo!

Tivemos três endereços diferentes em Dubai e quando menos esperávamos, após quase 15 anos, estávamos com tudo… embrulhado! Cada livro, cada enfeite, cada louça, cada sentimento, tudo muito bem empacotado. A casa ficou vazia. Portanto, o container saiu carregado por um caminhão. Ficamos na calçada olhando melancólicos, mas gratos por todos os pacotes que estávamos levando conosco. Afinal, saímos do Brasil com tão pouco. E partimos de Dubai com tanto. De coisas materiais e morais. 

Despedidas entre pacotes

Naquela calçada nos despedimos, vendo nossa história que foi escrita por muitas mãos e embrulhada por tantas outras. Saudade, até hoje! Amigos queridos fizeram parte de nossas vidas e não podiam faltar nos dias de empacotar a casa para dizer até logo!

Alguns chegaram para ajudar com os pacotes. Outros, para buscar objetos que doamos ou vendemos. Tivemos despedidas com almoço preparado na nossa cozinha e outras com comida ofertada para não esquecermos o sabor. Desmontamos aqui e ali, e aos poucos a casa foi se descaracterizando. Plásticos, fitas, caixas, tudo à mão. Mas a torcida era para que a despedida pudesse se prolongar, mesmo naqueles dias de casa bagunçada, estavam todos ali. Amigos que vinham e iam entre pequenos cafés, uma lágrima, um sorriso, um abraço. Até o motorista da lavanderia veio. No seu inglês parco mostrou toda a generosidade paquistanesa no sorriso deixado, e na prece para que Allah olhasse por nós. Igualmente veio o jardineiro. Ah!, e o rapazinho que lavava o carro também veio. Do mesmo modo vieram os vizinhos.

E a mudança foi tomando forma

empacotar a casa
A casa já empacotada, chegou no Brasil após três meses – Imagem: Arquivo Pessoal

As caixas foram ficando cheias, tomando corpo de mudança. Tinha dia que eu queria empacotar sozinha. Sorrir e chorar a cada embrulho, a cada lembrança. Era a minha maneira de me despedir dos amigos, da minha casa, daquele lugar. Perguntava silenciosamente aos bibelôs antes de embrulhar, você quer vir comigo? E entre um sim, e um não – que só eu ouvia, escolhia a caixa identificada “para levar” ou “para doar”. 

Sou daquelas que escolhe a dedo uma peça decorativa. E de vez em quando, troco-os de lugar como se pedissem para se movimentar. Nada como fazer uma pequena mudança na decoração. Renovar o ambiente. Nisso vejo fluir boas energias. Meus pequenos objetos falam de alguma viagem, de algum passeio, de um dia que gosto de relembrar. Quando me sentava naquela sala, sentia prazer em olhar cada um deles ao meu redor. Em nossas viagens mundo a fora encontramos sempre um bibelô pequenino ou grande, o importante é que tenha significado, que tenha conexão, para gente comprar.

Lembro em particular de um deles, é um molho de peixinhos de madeira amarrados por uma corda. Estavam à venda, empoeirados num cesto de palha numa pequena loja em Mellieha, um vilarejo em Malta. Poucas horas antes de sairmos do hotel, passei por ali e eles pareciam pular da velha cesta, como se dissessem: “Ei, me leva com você!”. Comprei, e dei lugar na parede da cozinha. Brancos e azuis, desbotados me levavam todos os dias a Malta. E assim como eles, minha coruja sábia e silenciosa. Branca, alva, de uma serenidade de fazer inveja. Esteve sempre entre os livros da casa, me convidando ao silêncio e à leitura. Isso também foi empacotado.

Praticando o desapego

Confesso que me achava muito desapegada das coisas materiais, até que chegou o momento de deixar para trás coisas que me eram caras. Minhas plantas do jardim e de dentro da casa. Meus livros, ah… duas estantes cheias. Foram anos carregando nas malas do Brasil para Dubai, além daqueles que eu encomendava aos visitantes. Era uma minibiblioteca, uma maneira de fazer circular livros em português pela nossa comunidade.

Na hora de vir embora, acabei deixando muitos para trás, e hoje me arrependo de não ter deixado mais. Afinal foram tantos anos para levar tudo para lá, por que trazer de volta?! Apego, olha ele aí!

Doeu também deixar as plantas, para elas eu não podia perguntar se queriam ir ou ficar. Mesmo assim conversei. Disse a elas que precisávamos nos despedir. Deixei-as florescer longe de mim. Outro dia uma amiga e articulista aqui do blog, me mandou uma foto de um vaso de Pau-d’água que era meu. Todo feliz na casa dela, florescendo!

Aqueles dias seguiram assim… desapegando.

Escrevendo uma nova página

Convites à memória, ao passeio, ao recanto. Caminhos árabes, turcos, tailandeses. Presentes de uns, lembranças de outros, seguiram todos embrulhados e encaixotados atravessando mares e oceanos para me reencontrar no Brasil.

A mudança partiu de navio com previsão de chegar ao Rio de Janeiro em noventa dias. Nós já estávamos por aqui, nos sentindo estrangeiros em nosso próprio país. Estranho falar assim, mas foi como nos sentimos nessa repatriação. Queríamos rever a “casa empacotada”, aguardávamos ansiosos a mudança chegar para desembrulhar. Reencontrar os livros, os bibelôs, nossos embrulhos e suas histórias. 

Foi uma alegria abrir as caixas e revê-los. Demos um novo lugar para cada um deles na nova casa. Mudança é isso, escrever mais uma página. Estamos em um novo ciclo, fazendo mais amigos, semeando novas plantas. 

Volto aqui depois para falar de outros desafios que tivemos em “empacotar a casa para dizer até logo!”. Acreditando sempre que tudo isso faz parte, onde luz e sombra se conjugam para que possamos nos reinventar e avançar. Até!

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Patricia Farias

Sou Patrícia Farias, brasileira, repatriada após uma longa experiência em Dubai. Jornalista com especialização em cultura teológica, no Oriente Médio me dediquei à coordenação de trabalhos sociais, e de educação filosófica e religiosa. De volta ao Brasil, retomei os projetos na Interseção Design de Histórias, onde no último ano inauguramos o selo de editora independente. Redescobrir-se na profissão, no Brasil ou mundo a fora, é um caminho saudável para todos nós. Aguçar a escuta para o novo, ter um desejo genuíno de apreender e de se transformar. É um processo bem bonito, não desista! Saiba mais em: http://intersecao.com.br | @intersecaoedicoes |@patricia.dxb

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