Filho de expatriada, expatriado é? Uma pergunta reflexiva e que percorre um caminho até poder ser respondida. Demora o tempo do crescimento das crianças e jovens que deixam seus países por uma escolha de seus pais, em geral em busca de melhores oportunidades e, why not?, aventuras! Ah, mas tem também muitos desafios, risos e choros pela estrada da expatriação!
Hoje, dividimos com vocês um pouco da experiência da Patrícia e do Felipe, dois filhos de expatriados. Ela saiu do Brasil aos 14 anos e ele aos nove. Um adolescente, outro criança. Cada um viveu ” a aventura” ao seu estilo e com desafios próprios. Hoje, ambos se veem como pessoas capazes de entender o mundo e sua diversidade.
Viver o diferente, abandonar preconceitos e ser feliz no mundo é a meta!
Filho de expatriada, expatriado é?
IA – Nos conte um pouco sobre você e sua história como filho de expatriados?
PATRÍCIA – Sou filha de pai uruguaio e mãe gaúcha, nascida em Porto Alegre e criada em muitas cidades do Brasil e afora. Talvez por meu pai já ser estrangeiro, tínhamos como família essa vontade de nos mudar e buscar as melhores oportunidades, onde quer que estivessem. Então aos 14 anos com meus pais e dois irmãos mais novos fomos para Amsterdã na Holanda, e dois anos mais tarde para Dubai nos Emirados Árabes.
De lá e já acostumada com a vida fora, fui cursar a faculdade em Montreal no Canadá mas depois destes oito anos fora – mais de um terço da minha vida até então – me sentia sem identidade e decidi voltar ao Brasil, à minha cidade natal, e morar com meus avós, já que a família seguia expatriada. Anos depois fui para São Paulo, onde me encontrei. Hoje não sou mais expatriada, mas quase local, pois casei com um suíço-sueco há cinco anos e desde então moro na parte alemã da Suíça (ainda com saudades da vida paulistana, suas tribos e sua vida eclética 😉
FELIPE – Olá people!!! Já me acostumei a chamar geral de people, kkk. Já que a cada ligação de telefone que tenho com a minha mãe, saem uns três people! Meu nome é Felipe e eu sou o filho da Maria Isabel e Sidnei:) Nasci em São Paulo e aos nove anos de idade comecei a minha vida fora do Brasil.
Miami, Londres, Chile, Dubai, e agora Califórnia, foram os países que me deram o titulo de “expatriado”.
Tenho 23 anos e moro com dois roommates em Los Angeles. Além disso acabo de me graduar na San Diego State University e trabalho na indústria de entretenimento! Sinto que minha vida de expatriado não vai parar aqui em Los Angeles, e estou ansioso pra continuar essa jornada dando volta ao mundo 🙂
IA – Das suas memórias desta vida fora do Brasil qual a mais marcante?
PATRÍCIA – A minha memória mais marcante na verdade é um consolidado de muitas memórias. Morando fora, me dei conta que o conceito de lar, de estar em casa, não tem a ver com um lugar físico, os móveis ou uma cidade. Tem a ver com a família e como convivemos uns com os outros, nos apoiando nas dificuldades de ser estranhos no ninho em culturas bem específicas. Foram muitos choros, mas me lembro mais das partes divertidas, das gafes cômicas de inglês da minha mãe, das muitas viagens para conhecer lugares novos, dos meus irmãos e eu crescendo como pessoas cosmopolitas do mundo.
FELIPE – A primeira memória que vem à cabeça é de quando eu me mudei pra Califórnia, sozinho aos 18 anos. Algo novo para mim, para os meus pais, e para a minha família inteira. Minha mãe voou comigo para San Diego para me ajudar a comprar materiais, fazer um tour da faculdade e conhecer essa cidade nova que iria começar a chamar de casa.
Deixando a minha mãe no aeroporto, para ela voltar ao Brasil, foi uma sensação difícil de explicar. Mistura de ansiedade, estar confuso e liberdade. Livre e com medo. Pensei “e agora?” kkkk
Peguei um Uber, voltei pra casa e foi assim que começou a minha vida semi independente.
Mas, essa não foi a única memória marcante pra mim. Além disso, passar a quarentena sozinho e viajar à Europa durante um intercâmbio são outros momentos marcantes vividos.
IA – Como foi sua trajetória educacional?
PATRÍCIA – Sempre gostei de estudar e aprender e, depois de aprender inglês fluente, consegui participar ativamente da vida escolar. A escola em Amsterdã era uma escola fantástica, com professores envolventes e matérias estimulantes. Eu adorava química e física, e os laboratórios eram exemplares. Mas a mudança para Dubai foi no começo um choque – saí de uma escola internacional para uma americana, me sentia em um filme com seus clichês e grupinhos.
Mas, minha maior adaptação foi depois, quando fui ao Canadá para a faculdade, pois além de muito longe e frio, a McGill era uma escola muito grande e competitiva, e eu estava acostumada à ambientes de aprendizado menores e com mais participação ativa. Me dei conta disso mais tarde e achei que tinha que terminar onde comecei, sem pensar em transferir.
Doze anos mais tarde, quando cursei um mestrado em Harvard, nos Estados Unidos, percebi como eu teria sido mais feliz em uma escola mais receptiva à diversidade, com professores acessíveis e colegas carinhosos.
Hoje curso um mestrado para me tornar School Counselor, pois acredito que para ser feliz não é necessário ir para uma escola de nome ou ranking, mas um ambiente que combine com o aluno e sua forma de aprender.
FELIPE – Preschool no Brasil, elementary school em Miami, middle school em Londres/Chile, high school em Dubai, e faculdade na Califórnia. Uff ! Uma trajetória marcante, sem dúvida.
Foi marcante, difícil, e única. Ter estudado em uma das escolas mais prestigiadas de Dubai no high school foi algo que realmente me marcou. Sempre fui um aluno bom, com notas boas e que “vira e mexe” trazia um premio acadêmico pra casa. Sentava ao lado de filhos de CEOs, presidentes, e empreendedores. E, mesmo não estando consciente sobre isso durante os meus anos de high school, pensando sobre isso agora, meus colegas de escola com certeza tiveram um impacto positivo no meu jeito de pensar e agir.
De Dubai fui para a San Diego State University, completar meu Bachelors Degree em Hospitality and Tourism Management, com um foco em Meetings and Events. Me graduei com honors em dezembro de 2020. Mudei para Los Angeles para começar a minha vida profissional. Ando trabalhando em um projeto de produção cinematográfica com artistas. Acabamos de lançar um em abril! Então corre lá depois de ler pra dar uma olhadinha. 😀
Aqui está o video: https://www.youtube.com/watch?v=2v3sZbIShY0)
Além disso, sigo buscando um trabalho fixo pra continuar minha trajetória!
Portanto só tenho que agradecer aos meus pais pela oportunidade maravilhosa que pude ter – isso só é o começo!
Minha família e eu na
High School Graduation em DubaiCom meu namorado à época, hoje marido, na
graduação do Mestrado em Harvard
IA – Durante os anos de expatriado como você descreveria seu vínculo com o Brasil?
PATRÍCIA – Me sentia brasileira, pois falávamos português em casa e íamos pelo menos uma vez por ano ao Brasil. Mas depois de um tempo, comecei a perceber que minha visão era como alguém de fora, desconectada da realidade do país e da cultura. Por isso, aos 21 anos, sendo oito destes fora do país, decidi voltar para entender melhor a minha terra. Era pra ser uma estadia curta, mas acabei ficando até meus 32 anos de idade. No Brasil, especialmente em São Paulo, eu me senti autenticamente eu, aceita do meu jeito único e genuíno. Lá fiz minha carreira profissional e estabeleci vínculos emocionais que tenho até hoje. Mesmo fora do Brasil, me sinto brasileira de corpo (principalmente estômago) e alma.
FELIPE – Cada vez mais fraco. Mas, algo que eu gostaria de mudar. Pois durante minha infância, ia ao Brasil todo meio do ano (por 2/3 meses) para passear e rever a minha família. Mas ao passar dos anos, a frequência diminuiu, e esse meio de ano vai ser o terceiro ano que não visito o Brasil. Gostaria muito de achar um trabalho que dê pra eu completar online, e morar no Brasil por um tempinho, talvez até ter uma base no Brasil no futuro distante. Pois seria uma ótima oportunidade para eu poder me reconectar as minhas raízes, rever minha família, e relembrar o quanto lindo o Brasil realmente é – saudades é o que não falta.
IA – Em relação a sua vida profissional qual o impacto dessa vivência?
PATRÍCIA – Sem dúvida, houve um grande impacto na minha vida profissional. A escola e vivência internacional expõe um jovem a muitos mundos e culturas diferentes, onde se aprende a conviver e aceitar as diferenças como algo ao mesmo tempo único e natural. No meu caso, eu desenvolvi desenvoltura e habilidade em me comunicar, além de não ter medo de falar o que eu pensava independente da hierarquia, pois eu acreditava que o importante era o argumento e os fatos, e não tanto o cargo da pessoa. Além disso, me ajudou muito ter feito uma faculdade renomada no exterior e falar fluentemente inglês e espanhol, fatores que me diferenciaram no começo da minha trajetória profissional.
FELIPE – Extremamente positiva, eu gosto de me referenciar como um cidadão global – não sou daqui, não sou dali, sou do mundo inteiro. E isso é uma ferramenta incrível, que torna o mundo inteiro o seu hogar, e que abre oportunidades profissionais pra você em qualquer país.
Ser expatriado “abriu a minha mente” de como a globalização tem afetado o mundo, e como a globalização vai continuar a expandir e conectar o planeta ainda mais. O COVID-19, na minha opinião, foi uma representação visual do quanto conectados realmente somos. Algo que aconteceu na China, fez eu perder meu trabalho em San Diego. Querendo ou não, todos estamos conectados. Ser expatriado significa uma vantagem na minha vida profissional. Entender mercados e clientes diferentes ao redor do mundo. Sem falar dos benefícios de falar idiomas diferentes e o entendimento de como lidar com pessoas de cada país.
IA – Em relação a namorar, ter companheiros ou cônjuges quais os desafios?
PATRÍCIA – Eu lembro que as primeiras festinhas da escola eram muito diferentes. Já que, especialmente no Brasil, na minha idade as pessoas “ficavam” sem necessariamente estar namorando. Por outro lado, na Holanda e depois em Dubai, havia todo um ritual de beijo e namoro diferente do que eu estava acostumada, e eu estranhei muito! (risadas). Ninguém ficava com ninguém! Hoje casada com um homem também de dupla nacionalidade, o maior desafio tem a ver com a forma de nos comunicarmos e expressarmos, que vai além da língua e passa por questões culturais e valores. Fomos aprendendo como falar dos nossos sentimentos, de não julgarmos um ao outro, e explorar um assunto que poderia estar “lost in translation“. Não somos perfeitos, mas hoje temos mais empatia e paciência um com o outro para nos compreendermos além das palavras, e podermos crescer como parceiros.
FELIPE -Ter que se mudar de país durante uma paixão, creio que foi o maior desafio de namoro até agora. Nos conhecemos em Roma, durante nosso semestre de intercâmbio em Barcelona – uma situação muito de filme rs… com final feliz. Mantemos contato, planejamos uma viagem para nos reencontrar em Los Angeles, e agora continuamos amigos. Os dois com novos namoros, e apoiando um ao outro nas nossas vidas profissionais e pessoais.
Outro desafio é achar uma pessoa bonita e não poder chegar nela por conta da barreira de língua, mas isso a gente da um jeitinho.
Ser expatriado com certeza criou um medo em mim de me conectar com pessoas, já que estou acostumado a deixá-las pra trás em cada mudança. Mas eu aprendi a lidar com esse medo, e conheci pessoas iguais a mim. Isso me fez ver as inúmeras possibilidades do amor. O amor não é esse conto de fadas tradicional que ouvimos falar em filmes – o amor viaja, o amor não tem limites, e o amor não tem características físicas.
IA- Filho de expatriada, expatriado é?
PATRÍCIA – Acho que uma vez que tu sai fora da tua realidade, especialmente numa fase tão fértil quanto a adolescência, abrem-se portas para o mundo. Te dás conta que és cidadão do mundo e que tudo pode estar ao teu alcance. Acho que nasce uma vontade de ver mais, que leva sim a morar fora e seguir trilhando a vida de expatriado!
FELIPE – Filho de expatriada é ser flexível, aberto à aventuras, e pronto para aprender muitooo. Sua vida não será igual ao do seu primo, a dos seus amigos de infância do Brasil, e muito menos da sua tia. Certamente, haverão desentendimentos entre vocês por conta da cultura, era de vivência; mas isso é algo que você deve abraçar. Pois ser diferente não é ruim, é uma benção. Sempre procure mostrar aos seus familiares o seu jeito de pensar (que foi moldado durante os anos e os países), e mesmo sendo algo que seja completamente estranho para eles, eles te amam, e vão entender suas diferenças. Então, ao final do dia, você está morando em um país completamente diferente para EVOLUIR como pessoa. Portanto é impossível você crescer com o mesmo jeito de pensar de todos eles.
Brasileira de alma e nascimento. Casada com Guillermo Henderson, uruguaio e meu parceiro de vida. Três filhos adultos e um netinho, minha filha Patrícia e mãe do Magnus na Suíça, Santiago no Canadá e Mathias em Dubai. Sou graduada em Sociologia e Direito pela PUCRS. Meu mantra é ” Vida Linda e Abençoada ! “
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