Nossa entrevistada de hoje é uma mulher feliz, que se reinventou quando foi preciso e correu, ou seria nadou?!, atrás da sua paixão pelas águas e pela maravilhosa sensação de igualdade e liberdade que este universo pode trazer. Como ela disse: “nado para celebrar a vida”.
Conhecer a Alessandra, pessoa simples, amante da natureza e dos livros é um privilégio que hoje dividimos com vocês!
IA- Alessandra nos conte um pouco sobre você?
Nasci no Rio Grande do Sul, em Santa Maria. Tenho 46 anos, sou casada e mãe de um menino lindo de 11 anos. Adoro as atividades junto a natureza! Das montanhas ao gelo e obviamente as águas, especialmente se estiverem em uma praia e com friozinho estou inteira no meu elemento.
Meu pai era militar, por isso tivemos a oportunidade de viver em muitos lugares do Brasil. Afinal nos fixamos em Brasília e lá foi onde muitas coisas aconteceram. Estudei Comunicação Social e me formei pela Universidade de Brasília, conheci e me casei com o Fernando e dali partimos para nossa primeira expatriação em 2011, para Dubai.
IA– Quando a natação entrou na sua vida?
A água sempre fez parte da minha vida, não consigo lembrar quando aprendi a nadar, simplesmente sei. Sempre vivi em beira de praia. Como falei, na minha infância e juventude morei em vários lugares do Brasil, sempre na costa, na praia.
A primeira vez que lembro de ter visto uma piscina foi aos doze anos, antes disso sempre nadava no mar. Foi quando aprendi a nadar os quatro estilos. Sempre gostei muito de estar dentro da água!
Maratona aquática mesmo, só comecei a fazer aos quarenta anos, antes disso fiz de tudo um pouco, pratiquei polo aquático – porque eu queria nadar, fiz triatlo – também porque eu queria nadar. Mas nadar em águas abertas mesmo, só entrou na minha vida aos quarenta.
IA- Como aconteceu o “nascimento” da maratonista de águas abertas ?
Aconteceu quando eu já morava em Dubai. Os médicos do “Médicos Sem Fronteiras” estavam organizando uma prova beneficente para arrecadar fundos para a Síria. O desafio seria dar uma volta ao redor do Burj Al Arab, então eu pensei “beleza, vou juntar duas coisas que eu gosto de fazer, ajudar a quem precisa e nadar”! Porque o legal pra mim é isso, estar na água, ter um lugar pra ir e algo novo para ver.
Eu escolho minhas provas assim, um lugar histórico, ou um lugar que tenha importância na minha vida ou que faça algum sentido. E essa foi a primeira prova de muitas com esse critério, eu queria ver o Burj Al Arab de dentro d’água, de uma perspectiva diferente. Assim também foi quando escolhi nadar ao redor da Ilha de Manhattan, todo mundo vai a Nova Iorque, mas ninguém viu a cidade de dentro d’água, como eu vi!
Me fascina nadar assim, dar a volta em uma ilha, ou ir de um país a outro nadando, ou ainda ir de um continente à outro. Foi assim também no caso da Turquia, que se trata de um lugar muito simbólico, porque Istambul metade dela fica na Ásia e a outra metade na Europa, então pensei: “Nossa, preciso nadar nesse lugar, preciso nadar de um continente pro outro!”. São essas coisas que me fascinam!
IA- Como é a sua relação com a água?
Sabe o que é mais interessante? É que a água não tá nem aí pra sua idade, ela é muito democrática. Pois nadando conheci gente de todas as idades e que dentro d’água estão livres! Gente com deficiência que se sente livre! Todo mundo igual né? Pois você tá lá é prá nadar.
Águas abertas e nadar longas distâncias pra mim é …, sei lá, como é que eu posso dizer? É uma meditação, um momento de introspecção. Tô ali nadando e pensando em milhões de coisas, vou me conectando com a água e o tempo tem outro significado. As pessoas falam “nossa você nadou 16 horas no Canal da Mancha?”, e eu falo “Sério? Foi tudo isso?” Porque na minha cabeça eu “tava” em outro mundo, a minha percepção de tempo era outra. É por isso que gosto de nadar longas distancias, não nado para competir contra o tempo ou para ganhar de alguém, ou para bater record.
Eu nado para nadar! Para me sentir feliz! Isso me motiva! Conheci muitas pessoas que pensam da mesma forma, pessoas vitoriosas, que venceram um câncer e estão nadando para celebrar a vida!
IA – Uma das suas grandes conquistas foi a travessia do Canal da Mancha. Como foi?
O Canal da Mancha é conhecido como a prova mais difícil do circuito internacional da natação de águas abertas, é comparado ao Everest. Mas na verdade mais gente conseguiu chegar ao cume do Everest do que atravessar o Canal da Mancha. Então até hoje somente cerca de 2.200 atletas conseguiram.
É a porção de terra mais curta entre a Inglaterra e a França. São 35 Km em linha reta, mas como é um canal você precisa nadar ao sabor e tentando vencer as correntes. Em geral elas se modificam de seis em seis horas, podendo ir do sul por norte e do norte pro sul, dependendo de onde você esta, salvo no meio do canal, que é a parte onde fica mais tranquilo e onde você não sofre tanto com elas.
Além das correntes, um outro grande desafio é a temperatura da água que é bem baixa. Em um bom dia, em um ano excepcional, você poderá nadar com a temperatura a 17 graus, o que não significa que a temperatura do ar vai ser a mesma, ela poderá estar bem mais baixa.
Quando eu cruzei o Canal a água estava fazendo 13 graus, além do que você nada só de maiô, toca e óculos e no máximo pode usar um protetor de ouvido. Pode ainda aplicar um mistura de vaselina e parafina no corpo, usei só vaselina e para dizer a verdade não faz diferença, você vai ficar gelada do mesmo jeito. Você pode escolher “largar” de dia ou à noite, o que é pior né? Porque uma coisa é uma água fria com o sol quente às suas costas e outra é uma água fria à noite, quando a temperatura cai muito mais.
Fiz esta prova em 16 horas e 23 minutos de nado ininterrupto. Foi um percurso mais longo do que o previsto, porque o tempo estava ruim, com maré forte e muita corrente, o que me afastou da parte central do canal.
Então, são todos estes aspectos que fazem a prova bastante complicada, não só a extensão do nado, mas as correntes, a água fria e também tem a questão mental. Todo nadador que se propõe a atravessar o Canal da Mancha tem o treinamento para nadar 40 km. Mas o treino é apenas 10% da prova, o resto é o mental! E é nisso que você tem que estar forte, porque águas abertas são um ambiente que você não controla e vai ter que saber lidar com tudo isso e com seus próprios fantasmas também, para poder chegar.
IA- Alessandra, ser expatriada influenciou a maratonista?
Sim, sem dúvida o fato de ser uma expatriada foi um diferencial no meu caminho de atleta. Aliás sou muito grata por estar em Dubai! A natação de águas abertas começou aqui em Dubai, porque tive que me reinventar. Quando saí do Brasil abandonei meu trabalho e iniciei uma vida nova. Portanto eu precisava fazer alguma coisa e a natação veio suprir essa lacuna da profissão que eu tive que deixar para trás.
IA – Qual o significado para um atleta brasileiro o fato de morar no exterior?
O continente sul americano é muito distante de tudo. As viagens internacionais e a logística são bem mais complicada do que estando aqui, onde o acesso a outros lugares é bem mais fácil. Com o mesmo tempo de alguns voos domésticos no Brasil, aqui você chega a outro país ou continente e a um preço acessível.
Essa é a minha gratidão de estar aqui, o fato de poder me aventurar em outros países, além de ter aprendido um outro idioma e poder ter vencido o desafio que é a barreira da linguagem. Muitos atletas brasileiros sofrem com isso.
IA – No Rio de Janeiro você foi recordista da prova do Leme ao Pontal. Como foi nadar 36 km “em casa”?
Do Leme ao Pontal são 36 km em linha reta, uma linha desenhada pelo satélite, mas nadada em geral em “zigue e zague” em razão das correntes marítimas, o que pode adicionar alguns metros e até quilômetros no seu percurso.
Fiz essa prova em janeiro de 2018, seis meses antes do Canal da Mancha, justamente em preparação para ele. No Leme ao Pontal era um quilometro a mais do que no Canal da Mancha e uma prova que também começaria à noite. A diferença é que nessa prova você nada na costa, mas mesmo assim seria um ótimo teste, já que eu estava focada na distância e no período em que eu estaria na água, avaliando todo o meu treinamento e o plano de alimentação.
Foi tudo lindo! Era a primeira vez em que nadava no Brasil, nadar à noite, ver o Cristo Redentor e toda a orla do Rio. O fato de largar às dez da noite do Leme foi especial, fui nadando e vendo Copacabana, Ipanema, os morros e seus contornos quando ainda estava escuro. Durante a prova tinha muitas pequenas algas verdes e azuis brilhando e fosforescendo, nossa!, parecia que eu estava em outro planeta! Maravilhoso!
A água estava ótima, sem vento e sem corrente contra, consegui nadar o que eu tinha treinado e para minha surpresa quando cheguei no Pontal, bati o recorde feminino! Nadei 9 horas e 53 minutos, e nadei bem, cheguei lá cheia de energia, feliz da vida!
Então foi muito mágico! Não esperava o recorde, estava apenas pensando em concluir a prova! Consegui chegar e com “a cereja do bolo!” Essa prova foi interessante, aprendi como lidar com a dor física do desgaste natural e também com a dor específica, já que nadei boa parte da prova com uma água viva dentro do meu maiô, pois não consegui tirá-la e fomos juntas até o final!
IA – Qual o efeito da natação em você e em sua família?
Eu acho que depois que eu comecei a nadar longas distâncias, eu mudei, eu não sou mais a mesma. Aprendi a ser mais resiliente com certeza, porque se você não for resiliente você não chega a lugar nenhum nas águas abertas. Aprendi a compreender as limitações e a ser grata. Grata por todas as oportunidades que nos são dadas.
Nadar é mágico, isso é a maior riqueza que tenho e a minha família que sempre vai junto e me dá um super suporte. Uma benção. Pra mim é o que vale na vida: minha família e juntos poder curtir o mundo e a natureza.
IA – Ale, qual sua dica para construir um sonho e realizá-lo?
Olha, quando a gente traça um objetivo grande, independente se for natação, ou com sua profissão, seja o que for, muita gente vai olhar pra você e dizer que você é louca, que isso é impossível, que isso é uma maluquice e vão ficar te perguntando “Por que?” Mas você não precisa do porquê para fazer o que você gosta né?!
Só a pessoa que se desafia pode dizer quando é a hora de seguir ou de parar. Portanto não deixo ninguém dizer qual é o meu limite. Vou vendo até onde posso ir. O importante é você ter consciência dos seus limites e das suas limitações, pois é isso que te faz forte.
Costumo dizer que “o monstro é sempre menor do que a gente pinta”. Então é um passo de cada vez, de braçada em braçada pude cruzar o Canal da Mancha.
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Brasileira de alma e nascimento. Casada com Guillermo Henderson, uruguaio e meu parceiro de vida. Três filhos adultos e um netinho, minha filha Patrícia e mãe do Magnus na Suíça, Santiago no Canadá e Mathias em Dubai. Sou graduada em Sociologia e Direito pela PUCRS. Meu mantra é ” Vida Linda e Abençoada ! “
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