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Nasce uma mãe na Índia

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Já são inúmeros os desafios de se tornar mãe em seu próprio país, agora imagina quando essa maternidade acontece no exterior, fora da sua zona de conforto, fora daquilo que é conhecido. Eu vivi isso, pois me tornei mãe na Índia. Em Dezembro de 2019 veio ao mundo Benjamin em um hospital particular, católico, na região sul do país.

Meiba com seu marido e filho nascido na Índia – Imagem: arquivo pessoal

Ao ser mãe na Índia vivi um choque cultural . O primeiro desafio foi no ultrassom ao me deparar com uma placa imensa citando a lei que proíbe qualquer pergunta ou tentativa de revelar o sexo do bebê: multa em dinheiro e possibilidade de ser detido também!

O motivo dessa lei é a preferência cultural e religiosa pelo filho primogênito ser do sexo masculino. Isso indica benção e também menos custos, uma vez que homem para casar aqui não paga, mas recebe o dote em dinheiro na maioria das famílias.

O pai não entra na sala de ultrassom, o médico não é muito afetivo e sim extremamente técnico. A tela fica virada pra ele e a gestante deitada no lado oposto e não vê as imagens. Mas, eu sempre pedia pra ele virar o monitor para mim e para ouvir o coração do bebê, assim como imprimir boas fotos de recordação. O que nem sempre eles fazem.

O pré natal aqui é mensal nos primeiros dois trimestres e no último quinzenal. Se toma cálcio, ferro, ácido fólico e vitaminas se necessário. Exames de sangue a cada trimestre e após 25 semanas é feito também o exame completo de glicose.

O ultrassom acontece em semanas específicas de desenvolvimento do bebê em torno de cinco vezes. Duas doses de antitetânica também fazem parte do pré natal. Eu considero que tive um bom pré natal aqui no sul da Índia com médicos atenciosos, não muito românticos, mas fazendo um bom trabalho.

Vulnerável à violência obstétrica

A minha angústia começou no último trimestre e trazendo a memória os meses antes do parto lembro de estar muito ansiosa e com medo naquele período.

Ser mãe na Índia foi desafiador, pois na minha cabeça eu teria que decidir entre parto normal ou cesárea. Só que isso iria acontecer aqui na Índia onde tudo é diferente, onde existe um alto índice de violência obstétrica e onde a maioria ainda opta por parto normal, mas com algumas restrições que o mundo ocidental já superou.

Essas restrições deixam as mulheres vulneráveis porque na maioria dos hospitais indianos, tanto no parto normal quanto na cesárea, ainda não é permitido nenhum amigo ou familiar como acompanhante dentro da sala.

Aqui ainda se usa muito a episiotomia como regra, não tem golden hour nem o conceito de parto humanizado.

Alguns lugares que não são hospitais, e eu conheço apenas dois localizados em grandes cidades, oferecem o que nos conhecemos como parto humanizado. Você aluga um quarto privado, tem opções de dar a luz dentro da banheira, aulas de yoga, doula, golden hour etc. Mas não é um serviço acessível a todas as classes pois as despesas são grandes.

Quando eu comecei a pesquisar tudo isso é lógico que o frio na barriga aumentou. Afinal ser mãe na Índia é desafiador e apesar de estar sendo acompanhada em um hospital moderno, bem conceituado e saber que os médicos da região sul da Índia são bons eu ainda sentia medo. Iria enfrentar o desconhecido!

Lembro como se fosse hoje, em uma das consultas mensais de rotina entrei no consultório com um caderninho com perguntas para a minha médica. Ela achou meio estranho, mas respondeu minhas indagações. Queria saber quais exames seriam feitos no bebê após o parto, pois aqui na Índia os exames no recém nascido não são os mesmos realizados no Brasil. Naquele dia fiz várias perguntas tentando diminuir minha insegurança, mas na verdade não adiantou muito.

Empurrada para a cirurgia

Passaram-se mais duas semanas e quando estava na 37a semana de gestação fomos a consulta mensal e, para minha surpresa, a médica já foi marcando a cesárea, pois o ultrassom continuava mostrando que o Benjamin permanecia sentado. Bom, na época eu inexperiente não procurei saber se ele ainda teria tempo e possibilidades para se encaixar. Só lembro que ela me “empurrou”  para a cirurgia, alegando a posição do bebê e meus 34 anos de idade o que, segundo ela, não me dava condições físicas para o parto natural.

Para minha médica nessa idade já perdemos a flexibilidade e ela queria evitar que eu entrasse em trabalho de parto nessas condições e também com intestino cheio, pois aqui fazem um tipo de lavagem intestinal com laxante e jejum para ir para cesárea, além disso também instalam um cateter para recolher a urina.

O grande dia chegou

Fomos para o hospital naquela tarde para dormir lá, pois no dia seguinte pela manhã  já iria pra cirurgia. Nesse tempo no hospital foi feita a lavagem intestinal e iniciei o jejum, também me depilaram (sim!) e “dormi” prontinha para jornada.

Pela manhã me buscaram na maca e me despedi do meu marido e da família que estava ali nos apoiando, agora só via o teto e enfermeiras e a minha médica que chegou.

Esse tempo em que estava sendo conduzida foi o momento mais marcante de ter sido mãe na Índia. O momento em que, eu já dentro do centro cirúrgico, sou abordada pelo anestesista e que me faz a seguinte pergunta: você quer que tipo de anestesia? Eu respondi: eu não entendo, só não quero sentir dor. Ele se foi por alguns minutos e voltou quando a médica já estava passando algum tipo de produto em toda a região da cirurgia. Eu estava esperando me pedirem para mudar de posição para então receber a anestesia na coluna, mas de repente esse mesmo homem veio com uma máscara de oxigênio e disse: Meiba agora você vai dormir. Eu só lembro de dizer: mas eu não quero dormir.

É o que lembro até acordar umas duas horas depois com frio no corpo, em choque e chorando assustada sem saber o que havia acontecido.

Não vi a médica e não vi meu bebê.

O enfermeiro que controlava a parte cardíaca disse: Meiba acorda. Por que você está chorando? Eu perguntei: Cadê meu bebê? É menino ou menina? E ele respondendo: tá tudo bem, é um menino!

Ao ser mãe na Índia vi meu filho pela primeira vez só depois do nascimento – Imagem: arquivo pessoal

Confusão mental e emocional

Lembro de estar bem confusa e ficar mais algumas horas na sala de observação junto com outros pacientes. Muitas coisas passavam na minha cabeça e quando minha mente clareou mais um pouco pedi pra chamar meu marido. Contei a ele o que houve chorando e pedi pra ver nosso filho que havia nascido há horas, mas eu ainda não tinha visto o seu rostinho. A enfermeira trouxe o Benjamin umas duas vezes durante as cinco ou seis horas em que estive ali, uma para conhecê- lo, outra para colocá- lo rapidamente em meu peito para sugar.

Certamente, nada disso foi o que planejei para o nascimento do meu primeiro filho. Não o vi quando nasceu e quase não o vi depois. Fiquei muito triste, confusa, vulnerável, só pensava nele e tinha medo de mexer o meu corpo. Às 2 da tarde me levaram pro quarto e Benjamin já estava lá fazia algum tempo, eu só sabia chorar, não conseguia reagir ou pensar no que deveria fazer.

Me sentia fraca, cansada, confusa, ainda processando o que de fato aconteceu comigo. Depois tudo foi clareando, coloquei Benjamin no peito, deitado comigo, pois já estavam dando fórmula pra ele, o que parei imediatamente, e partir dali fui tomando consciência da maternidade.

Meu corpo reagiu bem, sem febre e dor dentro do normal. Considero que fui bem assistida pelas enfermeiras, exceto pela preocupação zero delas em me ensinar a amamentar.

A verdade sobre ser mãe na Índia

O pediatra veio e estava tudo certo com o Ben! E então, no outro dia pela manhã minha médica veio quando eu estava deitada e perguntou para enfermeira: porque ela está usando travesseiro? A enfermeira respondeu que eu recebi anestesia geral então não havia necessidade de deitar sem apoio. Nesse momento peguei o gancho e indaguei o porquê me “apagaram”. Ela explicou que poderia desenvolver algum quadro de ansiedade, ter vômitos, pressão alta  por ser estrangeira e todos ali na cirurgia falando em outro idioma. Eu engoli seco, não fiz nenhuma confusão, não quis me perturbar com aquilo no momento, só queria cuidar do meu filho e me recuperar.

A conta chega depois de alguns meses enquanto foi “caindo a ficha” do que me aconteceu.

Eu sofri uma violência obstétrica.

Me colocaram em vulnerabilidade psicológica sem aviso prévio.

Decidiram por mim.

Assinamos papéis para passarmos por cirurgia e autorizando procedimentos, mas no meu caso não havia necessidade de me “por pra dormir”, eles o fizeram na verdade por se sentirem mais confortáveis, e digo que até receosos de operar uma estrangeira.

Nos meses seguintes tive muitos altos e baixos com esse assunto, pensei em processar o hospital e a médica, mas acabei não fazendo. Essa experiência me marcou muito, pois descobri que esse tipo de violência com as mulheres é comum não só na Índia como em outros países. Hoje essa lembrança já não dói, mas eu compartilho para que outras mulheres se cuidem e fiquem alertas principalmente se forem expatriadas. Busquem seus direitos e se informem. Meu segundo filho nasce daqui há duas semanas, mas já não sou a mesma e vou fazer de tudo para nos proteger dessas insensibilidades.

Espero que esse artigo tenha te ajudado.

Quer saber mais sobre a Índia? Me segue no Instagram @vivendonaIndia

Namastê

Com carinho,

Meiba Aquino.

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Picture of Meiba Aquino

Meiba Aquino

Meiba é paraense, casada com indiano. É mãe, empreendedora e contadora. Atua na área social com crianças em situação de risco. Ama ler, escrever e viajar. Gosta de aprender, fazer amigos.

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