Quando começamos a planejar uma viagem, logo pensamos: O que vamos levar na mala?
Pesquisamos o clima do local para onde vamos, quais os passeios que vamos fazer para escolhermos que tipo de roupa, máquina fotográfica… Pegamos os principais remédios, caso seja necessário. Além disso, aquele perfume e maquiagem para usarmos naquele jantar romântico ou em família. Sem falar que não podemos esquecer dos principais documentos.
Mas… e quando essas malas são de mudança sem data certa de voltar?
Viagem sem volta
Quando a viagem não tem data certa de volta, ou talvez nem se volte mais para o Brasil, precisamos incluir mais algumas coisas: mais roupas, sapatos, mais medicamentos…
Também não queremos deixar aquelas fotos da família e dos amigos, aquela lembrancinha ganhada nos últimos dias ou os livros favoritos.
E quando temos filho, daí não podemos esquecer de levar na mala várias coisas. Os principais brinquedos, livros infantis, às vezes aquele travesseiro ou coberta favorita, ursinho de pelúcia, boneca, carrinho… Ufa! Haja malas extras!
Mas, quando chegamos no país de destino, com o tempo percebemos que há muitos outros itens. Itens que, nem sempre estão planejados para estar na mala, mas que fazem parte de um conjunto de coisas imprescindíveis.
Como, por exemplo, a maneira de ser, pensar e agir, de se relacionar com as pessoas que estão à nossa volta, os hábitos e os costumes.
Para saber mais, leia também o nosso artigo: perdas e ganhos de morar fora.
Tudo isso, compõe um conjunto de referências e valores. Eles estão presentes em cada gesto ou comunicação, diretamente ligado à essência e à identidade de cada um. Por isso, constituem um patrimônio valiosíssimo, embora muitas vezes não reconhecido como tal.
Quando somos imigrantes, às vezes questionamos vários desses valores e referências, podendo ocorrer crises de identidade, novas prioridades e, até questionamentos do quão distante estamos da nossa brasilidade.
A maneira como percebemos e respondemos a essas situações terá grande impacto em como vamos demonstrar nossas origens. Portanto, também terá impacto em como vamos ensinar nossos filhos a valorizar a cultura, as crenças, os valores e a nossa língua.
Adaptação ao novo país
Além disso, a adaptação ao novo país terá efeito direto na manutenção e/ou na transmissão da língua portuguesa e da cultura brasileira dentro da família. Ou seja, vai depender de como nós, pais estamos lidando com o novo, com as diferentes culturas e nos adaptando a tudo isso.
Quando nossa história faz sentido e temos orgulho dela, independente das dificuldades que passamos no Brasil, a língua faz parte de um elemento de conexão conosco.
Sem falar que a língua nos conecta com quem nós somos, com o nosso passado e com o nosso presente. Também com nossos familiares e amigos deixados no Brasil, ainda que respeitemos e vivemos de forma integrada com a sociedade que nos recebeu.
Porém, quando nos distanciamos da nossa brasilidade ou estamos fragilizados, com medo do novo, nos distanciamos da nossa cultura e da nossa língua materna.
Quando idealizamos o país onde vamos viver, valorizando-o e menosprezando o nosso país de origem, corremos o risco de deixar enfraquecer aos poucos nossa cultura e nossa língua.
O que fazer para manter o português e a cultura
Para mantermos o português e a cultura brasileira viva, precisamos manter a conexão com os amigos e familiares do Brasil e o “ser brasileiro”, cultivando essa semente constantemente.
“Para se manter viva a língua nativa no seio familiar, é preciso que ela esteja viva dentro de cada um.”
Raguenaud
Essa frase de Reguenaud, explica muito bem como mantermos vivo a língua portuguesa e a cultura brasileira dentro das nossas casas.
Quando reconhecemos o valor da nossa bagagem sócio-cultural, valorizamos nossa cultura, continuamos vivendo nossa brasilidade, não importando onde estamos. Dessa forma, conseguiremos com menos dificuldade estabelecer sistemas de convivência e fluxos de aprendizado com os nossos filhos.
Hoje em dia, com o avanço da tecnologia, fica cada vez mais fácil mantermos esse vínculo com nossos familiares e amigos do Brasil. Chamadas de vídeo, mensagens por celular e redes sociais nos aproximam.
Podemos também procurar grupos de mães nas redes sociais ou na comunidade onde vivemos e iniciativas de Português como Língua de Herança (POLH).
Podemos ainda, escrever cartas e pedir para que as pessoas escrevam e nos enviem.
Organizar encontros com outras famílias brasileiras na sua comunidade também ajuda muito.
Mas, o mais importante, é mantermos viva a cultura e a língua, para que nossos filhos, percebam o quão importante é tudo isso para nós.
Saiba mais sobre a importância de mantermos a língua portuguesa segundo o presidente de Portugal.
Fatores determinantes para manter o português
Para mantermos o português dentro das nossas casas, alguns fatores devem ser levados em consideração.
Segundo François Grosjean, professor emérito de bilinguismo, esses fatores se resumem em:
- Quantidade de exposição: quanto mais tempo a criança for exposta à língua, mais contato ela terá com a mesma;
- Necessidade do uso: a língua tem um caráter social, portanto é necessário criar a necessidade de uso da mesma;
- Natureza dos recursos que usamos para essa transmissão;
- Reação da família ao português: como a família age em relação ao português;
- Valor do português na comunidade em que se vive: precisamos dar valor ao português mesmo que estivermos em outra comunidade.
Desta forma, se mantivermos esses aspectos, juntamente com a nossa brasilidade, valorizando a nossa língua-cultura será muito mais fácil para que nosso legado seja transmitido e valorizado por nossos filhos.
Portanto, o que levar na mala vai muito além da bagagem física. Nossa mala precisa ter também os nossos valores e nosso orgulho de onde viemos.
O que você levou na sua mala quando saiu do Brasil?
Moro em Dublin, sou fonoaudióloga bilingue e praticamente do português como língua de herança. Trabalho há 25 anos com desenvolvimento infantil, nos aspectos cognitivos, motores, alfabetização, linguagem e fala. Ministro cursos sobre bilinguismo e presto assessoria a famílias expatriadas sobre fala e alfabetização.
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