Filhos de terceira cultura
Confesso que nunca fui uma pessoa louca por crianças, nem muito menos aquela que não pode ver um bebê que já quer segurar! Mas sempre tive vontade de ter filhos. Contudo nunca persegui veementemente tal desejo. Pra mim, isso seria consequência do casamento. O que não esperava de uma maternidade é que os meus filhos seriam trilíngues e teriam famílias de países diferentes, na Índia e no Brasil. Diante disso, nosso maior desafio é criá-los entre duas culturas, o que é chamado de filhos de terceira cultura.
Quando meu filho mais velho tinha quase um ano de idade, comecei a ler sobre crianças bilíngues e as situações que elas vivem quando são educadas entre culturas de países diferentes.
Crianças bilíngues
Um dos desafios que surgiu foi que cada pai deveria falar a sua própria língua materna com a criança, e ela naturalmente, e sem pressão, vai aprender. Até aí tudo bem, vamos seguindo! As crianças aprendem rápido, e quando menos esperamos estão falando todos os idiomas aos quais estão sendo expostas.
Meu filho, hoje com três anos e meio, fala três idiomas. Benefícios da maternidade no exterior. É claro que muitas vezes ele mistura os vocabulários, o que é natural! Por outro lado, fala com mais fluência a língua a qual é mais exposto aqui em casa – no caso é o inglês – idioma que eu e meu marido falamos entre nós. Assistimos também uma evolução no português em setembro de 2022, quando minha mãe veio do Brasil. Ela já está aqui por quase seis meses interagindo com ele, e tem sido incrível: O vocabulário dele triplicou!
O Desafio do idioma está indo de “vento em popa”, mas o outro gigante – o desafio maior – se chama cultura! Todos os dias desafiando mais uma brasileira casada com um indiano.
Criando filhos brasileiros na Índia
Moramos na Índia desde que nos casamos, nossos filhos nasceram aqui e isso faz com que em nossa casa vivamos não só como indianos, mas também como brasileiros. Então, é inevitável que surjam choques de como educar. Qual é o modo correto? São situações delicadas, até porque eu recebo ajuda dos avós indianos, e agora, por um período, da avó brasileira.
Olhando de fora pode parecer muito simples, mas se você é pai ou mãe sabe que temos em mente o norte que queremos seguir na educação dos nossos filhos, na alimentação, na rotina, na escola. Coisas básicas e outras mais complexas.
Rotina de Alimentação
Por exemplo, os pais indianos dão comida na boca de seus filhos até quando estão bem grandinhos, distraem a criança e aí ela vai comendo. Contrariamente, eu optei pelo método BLW em que a criança se “alimenta sozinha” sentada em sua cadeirinha e ali tem a sua experiência com a comida: provando, sentindo, cheirando. Aprendendo os sabores e sabendo reconhecer quando está saciada. Depois de certa idade, ela aprende a usar os talheres. Além disso, na cultura indiana, eles não alimentam as crianças com carne de boi ou frango nos primeiros anos de vida e introduzem somente alimentos à base de arroz e vegetais.
O desconforto começa quando precisamos durante a maternidade da rede de apoio, mas é de uma cultura diferente da nossa! Assim, a criança muda de comportamento e só quer comer andando por aí e também não vai comer uma grande variedade de alimentos, porque não experimentou. Esses são apenas alguns exemplos; não acho que a forma como os indianos fazem esteja errada, mas na minha cosmovisão não ajuda meu filho a ser independente – algo que quero pra ele.
Pernas tortas e massagem shantala
Minha sogra ficou muito apreensiva quando nasceu meu primeiro filho, o Benjamin. Isso porque ela queria fazer todo o processo como os antigos fazem aqui em Kerala, no Sul da Índia. Eles dão um banho em seus recém-nascidos fazendo a massagem shantala para modelar as pernas do bebê, que acreditam estar torta. Massageiam também o nariz para afinar. Eu, com delicadeza, disse que não precisava, mas deixei. Afinal, massagem é excelente para o recém-nascido. Assim como uso sempre óleo de coco nos meus filhos, que é o que grande maioria usa por aqui. É barato, eficaz e não causa nenhum dano à pele do bebê.
Somente quando fomos ao pediatra e ele explicou na língua dela que aquele “modelar” não funcionava, foi que ela se conformou. Ela ficou um pouco constrangida e me pediu perdão, e eu disse que estava tudo bem, que eu entendia o desejo dela – fazer o melhor para o neto. Assim, eu fui me encaixando, aderindo ao que é bom pra eles e me esquivando do que não é necessário.
Em Kerala, segue-se mais as tradições e crendices populares ensinadas pelos avós do que a ciência propriamente dita. Isso acontece, principalmente, em cidades pequenas. Eu acho muito legal seguir as tradições e o modo de vida dos ancestrais, mas isso não cabe pra minha família. Já fomos criados longe de toda essa cultura milenar e já absorvemos a vida das grandes metrópoles.
Compartilhando o cuidado e amor
Maternar, por si só não é fácil, imagina maternar em outro país?! Mas eu vou me adaptando, e deixando que minha familía indiana faça parte da educação dos meus filhos. Só intervenho se algo for prejudicial. Não quero afastar meus filhos dos avós indianos. Definitivamente, quero que eles absorvam o lado bom da cultura indiana, assim como da cultura brasileira. Para isso acontecer é preciso ser flexível e sensível às situações.
Se você vai fazer parte de um núcleo familiar de outra cultura, é preciso ter sensibilidade para não ferir a sua rede de apoio no exterior, aquela nova família que você ganhou!
Para saber mais sobre a minha vida na Índia, me segue no @vivendonaindia
Com carinho ,
Meiba Aquino.
Meiba é paraense, casada com indiano. É mãe, empreendedora e contadora. Atua na área social com crianças em situação de risco. Ama ler, escrever e viajar. Gosta de aprender, fazer amigos.